PROJETO
DE LEI Nº 3.196 DE 1984
(Do Sr. Abdias do Nascimento)
Reserva
quarenta por cento das vagas abertas nos concursos vestibulares
do Instituto Rio Branco para candidatos de etnia negra.
(Às Comissões de Constituição e Justiça
e de Relações Exteriores.)
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Ficam reservadas 40% (quarenta por cento) das vagas
abertas nos concursos vestibulares para ingresso no Instituo Rio
Branco do Ministério das Relações Exteriores,
para preenchimento com 20% candidatos e 20% candidatas de etnia
negra aprovados no referido concurso.
Art. 2º A inobservância do prescrito no artigo anterior
implicará na perda do cargo para os responsáveis.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Justificação
Os africanos que vieram para o Brasil, forçados, para o
trabalho escravo, bem como seus descendentes, trabalharam por
quase cinco séculos construindo este País, ao qual
se deram por inteiro, sem ódios, sem ressentimentos, procurando
apenas a grandeza nacional.
A Constituição da República, em seu art.
153 § 1º, assegura a todos os brasileiros a igualdade
na cidadania e nas oportunidades, nos seguintes termos:
"§
1º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções
políticas. Será punido pela lei o preconceito de
raça."
Este princípio não vem sendo observado, notadamente
na formação de nossos diplomatas, onde, pelo que
se observa, os descendentes de africanos vêm sendo discriminados,
isto é, não têm acesso.
Tal anomalia requer as necessárias medidas concretas para
implementar o mencionado direito constitucional de igualdade racial
garantido aos negros e às cidadãs negras para o
trabalho na carreira diplomática dos quadros do Ministérios
das Relações Exteriores.
Por outro lado é inadmissível, nos dias de hoje,
que o Brasil, mantendo relações diplomáticas
com cerca de cinqüenta países do Contingente Negro,
não possua em seus quadros um só diplomata negro,
por razões inexplicáveis, a não ser, a vigência
do racismo institucionalizado há séculos nesse setor
das nossas atividades institucionais.
A presente matéria objetiva, portanto, corrigir a discriminação
apontada, reservando quarenta por cento das vagas abertas nos
concursos vestibulares do Instituto Rio Branco para candidatos
de etnia negra neles aprovados.
Sala
das Sessões, 5 de abril de 1984.
(Combate ao Racismo, n. 3)
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PROJETO
DE RESOLUÇÃO Nº 58-A, DE 1983
Cria a Comissão do Negro; tendo parecer da Comissão
de Constituição e Justiça, emitido em audiência,
pela inconstitucionalidade.
(Projeto de Resolução nº 58, de 1983, a que
se refere o parecer.)
A
Câmara dos Deputados resolve:
Art. 1º Fica criada, na forma do art. 30 do Regimento Interno
da Câmara dos Deputados, a Comissão do Negro, composta
de 11 membros, com número igual de suplentes
Parágrafo único. Esta Comissão terá
vigência até 13 de maio de 1988.
Art. 2º A Comissão do Negro compete opinar sobre todos
os assuntos relacionados ao negro. Compete-lhe também,
em caráter temporário, receber e investigar denúncias
de atentados aos direitos humanos e civis dos brasileiros de ascendência
africana. Compete-lhe, ainda, e em colaboração com
as demais Comissões da Câmara dos Deputados e com
as organizações da comunidade afro-brasileira, propor
medidas legislativas atinentes ao resgate da história,
respeito à identidade étnica e cultural; interesses
da educação, treinamento profissional, emprego,
segurança, moradia e saúde das populações
negras no Brasil.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.
Justificação
Esta
é a década do centenário da abolição
da escravatura; este é o momento em que se caminha, no
Brasil, para a construção de uma democracia efetiva
e orgânica, com a participação de todos os
segmentos, classes e estratos sociais. É chegada, portanto,
a ocasião de examinarmos os ganhos sócio-econômicos
cívicos e culturais dos negros descendentes daqueles africanos
escravizados libertos juridicamente a 13 de maio de 1888.
Para melhor penetrarmos e compreendermos a realidade atual é
oportuno evocar alguns fatos da nossa história. Primeiramente,
lembremos que a construção de um País chamado
Brasil coube, quase que exclusivamente, aos africanos escravizados.
A tarefa de edificar a estrutura econômica e material deste
País continental significou o holocausto de milhões
de vidas africanas.
Desde a fundação da colônia do Brasil em 1500
até hoje os africanos e seus descendentes têm sido
a maioria da nossa população. O Brasil tem a maior
comunidade negra fora da África; é o maior País
negro do mundo com a única exceção da Nigéria.
E assim, foi se desenvolvendo o Brasil, o escravo africano criando,
produzindo, alimentando toda a riqueza dessa terra enormemente
abundante, riqueza que o senhor português e seus descendentes
se apropriaram com exclusividade.
Dessa forma, o Brasil se cristalizou numa sociedade onde uma minoria
de origem européia tem mantido, através de séculos,
o monopólio do poder, do bem-estar material, da educação
e do prestígio social. Uma estrutura e uma estratégia
de dominação racial tão bem estabelecidas,
tão eficazes e poderosas, que têm permanecido inalteradas
através de todas as transformações sócio-políticas
e econômicas do País. Houve o período da Colônia,
de 1500 a 1822; em 1822, se estabeleceu o Império independente
do Brasil, que durou até 1889, quando as forças
militares proclamaram a República. Para o escravo, porém,
estas mudanças nada significaram; de nenhuma forma alteraram
a sua situação.
Os negros trouxeram da África a força do seu espírito,
das suas instituições sócio-econômicas
e políticas, da sua religião, arte e cultura.
O exemplo mais formidável dessa realidade histórica
é o da República dos Palmares, um estado africano
que resistiu de 1595 a 1696; um século inteiro de luta
armada contra as campanhas portuguesas, holandesas e brasileiras
de extermínio. Era uma força unida de muitos quilombos,
somando mais de 30 mil africanos, vivendo as tradições
e a dignidade de seus avós.
Esses africanos, fora da existência convencional da sociedade
colonial, praticavam a verdadeira abolição da escravatura,
junto com seus irmãos e irmãs. Mas a abolição
formal e jurídica da escravidão foi meramente um
jogo de interesses econômicos com a Grã-Bretanha.
A lei do 13 de maio de 1888, a última em todas as Américas
a abolir a escravidão legalizada, somente assegurou a continuação
da escravidão de fato. Esta escravatura de fato tomava
diversas formas, mas, basicamente se incorporava na expulsão
do ex-escravo, a grande maioria do povo brasileiro, do mercado
de trabalho chamado "livre". Àqueles que haviam
construído o País, e aos seus filhos, foram vedados
os mais básicos elementos de subsistência. Milhões
de negros foram criminosamente jogados, nas ruas ou nos campos,
à fome, à degradação e à morte
coletiva.
Seus lugares no mercado de trabalho foram ocupados pelos imigrantes
brancos europeus.
A história e a teoria econômica brasileiras, convencionais,
escritas por brancos, dirão que estes imigrantes europeus
vieram para o Brasil a fim de satisfazer uma necessidade econômica
de mão-de-obra. A análise rigorosa científica,
porém, e os irrefutáveis documentos históricos
da época mostram que o verdadeiro motivo do subsídio
oficial a essa onda de imigrantes brancos era o de embranquecer
a população. Já que o ex-escravo se tornara
cidadão, o Brasil se tornava inegavelmente um País
negro; circunstância que a elite dominante branca não
podia tolerar. As teorias científicas da época diziam
que o negro "permaneceria para sempre como motivo básico
da nossa inferioridade como povo". Era necessário
acabar com ele. E assim começa o genocídio, nesse
século, do povo negro do Brasil, de duas maneiras: através
da liquidação física (falta de moradia, desemprego),
inanição, doença não atendida, e brutalidade
policial; mais sutil é a operação da miscigenação
compulsória. Esta política demográfica, pregada,
como ideal social pelas camadas dominantes, dita que o cidadão
brasileiro atinge os direitos civis e humanos, a ascensão
na escala sócio-econômica, enfim, a sobrevivência
física e econômica, somente na medida em que ele
atinja as características do branco, na cor da pele, nos
traços somáticos e no comportamento social, não
importando sua competência profissional, seu caráter
ou inteligência.
Se um negro pretende que seu filho conquiste oportunidades na
sociedade brasileira, ele o intercasará com uma branca
(ou ela com um branco), para "melhorar a raça"
- tornando-a mais clara.
Até hoje, a lei que regula a política brasileira
de imigração dita a preservação dos
"mais desejáveis características da nossa ascendência
européia". E nas publicações oficiais
do Ministério das Relações Exteriores, o
contingente africano é sistematicamente diluído,
quando não completamente obliterado, como se constata no
volume "Brasil 1966", editado em inglês pelo Itamarati,
o qual, sob o item "Características da População",
afirma:
"Cor:
A maioria da população brasileira é composta
de brancos, sendo a porcentagem de pessoas de sangue misto diminuta."
No mesmo volume, na página anterior, sob o tópico
"mortes", encontramos a seguinte informação:
"Como
conseqüência dos mais baixos padrões de vida
e de higiene dos grupos negro e mulato, sua taxa de mortalidade
é mais alta que a dos brancos."
Aqui temos, nas palavras do próprio criminoso a consignação
da tentativa do crime perfeito. A massiva entrada de imigrantes
europeus se aliou uma política sistemática de impor
uma compulsão social para miscigenar, embranquecer a população.
Ao mesmo tempo, as massas negras foram abandonadas às mais
pobres e impossíveis condições de vida, do
que resultou uma altíssima taxa de mortalidade. Resultado:
uma população progressivamente mais branca, sobretudo
nas áreas urbanas do Sul do País. Contudo, a imensa
maioria da população brasileira, confinada nas áreas
rurais e nas favelas, cortiços, alagados, mocambos e conjuntos
residenciais urbanos, continua negra.
O processo do genocídio não se limita apenas à
destruição física do negro. Segundo o Dicionário
Escolar do Professor, o genocídio consiste também
na "recusa do direito de existência a grupos humanos
inteiros, pela... desintegração de suas instituições
políticas, sociais, culturais, lingüísticas
e de seus sentimentos nacionais e religiosos". Este conceito
do genocídio, internacionalmente estabelecido através
de várias medidas da ONU e da comunidade internacional,
aplica-se perfeitamente à situação do povo
negro no Brasil. Trazido acorrentado da África, num processo
escravista, em que centenas de milhões de vidas humanas
foram impiedosamente extinguidas, o africano viu suas línguas
e culturas proibidas e exterminadas, num processo de imposição
violenta das normas de cultura européia. Esse esmagamento
da língua, religião, artes criativas e outras manifestações
culturais africanas, tornou-se uma dimensão básica
da educação de nossas crianças.
As falsas premissas racistas da "ciência" européia
de origem darwinista são bem conhecidas. Definem o africano
como organicamente inferior, solapando todo o processo histórico
africano pré-colonialista. Roubam aos povos negros o protagonismo
de todo seu passado de grandes civilizações, e avanços
tecnológicos anteriores à invasão do continente
pelos europeus. Negam às suas religiões e sistemas
de pensamento qualquer conteúdo filosófico ou epistemológico.
Estas premissas eurocentristas são reproduzidas diariamente
nas salas de aula de nossas escolas. A criança negra aprende
a autodesprezar-se, tanto a si mesma como aos pais e antepassados.
Nunca se vê retratada no material didático como ser
humano, nem sua família como família humana, com
sua própria beleza e protagonismo social, econômico,
cultural e histórico. Não há margem de dúvida:
o processo de esmagamento, ridicularização, folclorização
e comercialização das culturas africanas, sobretudo
as religiosas, no Brasil constitui um ato flagrante de genocídio.
O supremacismo branco no Brasil criou instrumentos de dominação
racial muito sutis e sofisticados para mascarar esse processo
genocida. O mais efetivo deles se constitui no mito da "democracia
racial". Aqui temos talvez a mais importante diferença
entre os sistemas de dominação anglo-americano e
luso (ou hispano) americano. O mito da "democracia racial"
mantém uma fachada despistadora que oculta e disfarça
a realidade de um racismo tão violento e tão destrutivo
quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul. E
é este racismo que a Comissão do Negro haverá
de investigar e combater através do esclarecimento da opinião
pública e de propostas legislativas. Não se resolve
problemas utilizando-se do método do avestruz: o método
de ignorar a realidade concreta metendo a cabeça na areia.
Somente construiremos uma efetiva e democrática igualdade
étnica em nosso País, recusando a cumplicidade com
a mentira e os falsos valores, e desvelando o rosto da verdade
racial que preside nossas relações sociais.
Sala das Sessões, 13 de maio de 1983.
PARECER
DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA
I
- Relatório
O nobre Deputado Abdias do Nascimento ofereceu o presente projeto
de resolução que cria a Comissão do Negro,
na forma do art. 30 do Regimento Interno, composta de onze membros
titulares e onze suplentes, com vigência até o dia
13 de maio de 1988. A competência da Comissão é
amplamente enunciada no art. 2º da proposição.
Na justificativa, o nobre autor lembra que esta é a década
do centenário da abolição da escravatura
e este é o momento em que se caminha, no Brasil, para a
construção de uma democracia efetiva e orgânica,
com a participação de todos os segmentos, classes
e estratos sociais. É chegada, pois, a ocasião de
serem examinados os ganhos sócio-econômicos, cívicos
e culturais dos negros, descendentes daqueles africanos escravizados,
libertos juridicamente a 13 de maio de 1888.
Merece ser transcrita a parte final da justificativa:
"O
supremacismo branco no Brasil criou instrumentos de dominação
racial muito sutis e sofisticados para mascarar esse processo
genocida. O mais efetivo deles se constitui no mito da "democracia
racial". Aqui temos talvez a mais importante diferença
entre os sistemas de dominação anglo-americano e
luso (ou hispano) americano. O mito da "democracia racial"
mantém uma fachada despistadora que oculta e disfarça
a realidade de um racismo tão violento e destrutivo quanto
aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul. E é
este racismo que a Comissão do Negro haverá de investigar
e combater através do esclarecimento da opinião
pública e de propostas legislativas. Não se resolve
problemas utilizando-se do método do avestruz: o método
de ignorar a realidade concreta metendo a cabeça na areia.
Somente
construiremos uma efetiva e democrática igualdade étnica
em nosso País, recusando a cumplicidade com a mentira e
os falsos valores, e desvelando o rosto da verdade racial que
preside nossas relações sociais."
Despachado o projeto à Mesa, o nobre Deputado Paulino Cícero,
1º-Vice-Presidente, foi designado para relatá-lo,
tendo S. Exª requerido a audiência desta Comissão
de Constituição e Justiça "tendo em
vista aspectos de natureza constitucional" referente à
matéria.
É
o relatório.
II
- Voto do Relator
Nos termos regimentais do art. 28, § 4º, cabe a este
Órgão Técnico pronunciar-se sobre o pedido
de audiência oriundo da Mesa.
A dúvida do nobre Relator prende-se à constitucionalidade
ou não, deste projeto de resolução. Ou seja,
deseja-se saber se estaria a Câmara dos Deputados, ao criar
esta Comissão temporária, obedecendo ao preceito
constitucional do art. 153, § 1º, que proclama:
"Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de
sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções
políticas. Será punido por lei o preconceito de
raça."
A
discriminação racial pode ser entendida relativamente
a duas facetas: a positiva e a negativa. Tanto a lei pune uma
quanto a outra.
Será discriminação positiva aquela que somente
exalte ou dedique atenção excepcional a uma raça,
enquanto negativa será a que, por ações ou
omissões, impeça determinada raça da prática
de certos atos.
No caso em tela, estamos diante de uma evidente discriminação
positiva, ou seja, pretende-se dotar o Parlamento de uma Comissão
temporária destinada, exclusivamente, a examinar problemas
e questões que envolvam pessoas da raça negra. Outrossim,
pretende-se conferir poderes a essa Comissão para examinar
(é dito na proposição: "receber e investigar")
denúncias de atentados aos direitos humanos e civis dos
brasileiros de ascendência africana. Aí uma dupla
discriminação: uma contra os das demais raças,
por não estarem contempladas; outra, com os próprios
africanos, eis que se pretende apenas apurar delitos contra os
brasileiros de ascendência africana. Ora, a Constituição
brasileira garante aos nacionais e aos estrangeiros aqui radicados
os mesmos direitos.
Face ao exposto, manifesto-me pela inconstitucionalidade do Projeto
de Resolução nº 58/83.
III
- Parecer da Comissão
A Comissão de Constituição e Justiça,
em reunião plenária realizada hoje, opinou unanimemente
pela inconstitucionalidade do Projeto de Resolução
nº 58/83, nos termos do parecer do relator.
Estiveram presentes os Senhores Deputados: Bonifácio de
Andrada, Presidente; Brabo de Carvalho, Vice-Presidente; Júlio
Martins, Valmor Giavarina, Gomes da Silva, Jorge Medauar, Osvaldo
Melo, Nilson Gibson, Hamilton Xavier, José Tavares, Wagner
Lago, Gerson Peres, Plínio Martins, Elquisson Soares, Guido
Moesch, Mário Assad, Rondon Pacheco, Arnaldo Maciel, Egídio
Ferreira Lima, José Carlos Fonseca, Theodorico Ferraço,
Jorge Arbage, Darcílio Ayres e Jairo Magalhães.
Sala
da Comissão, 14 de junho de 1983.
Bonifácio de Andrada, Presidente
Nilson Gibson, Relator.
(Combate
ao Racismo, n. 1)
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Indicação nº 17, de 1985
Sugere
a manifestação da Comissão de Relações
Exteriores sobre oportunidade da realização no Brasil
de um Seminário Regional do Conselho das Nações
Unidas para Namíbia ou de uma reunião do referido
Conselho em nosso País.
Nos termos regimentais, solicito que a Comissão de Relações
Exteriores se manifeste sobre a conveniência e a oportunidade
do Governo brasileiro hospedar, em 1986, um seminário Regional
promovido pelo Conselho das Nações Unidas para Namíbia,
ou uma reunião do referido Conselho em nosso País.
Justificação
O regime racista do apartheid, condenado pela opinião pública
internacional como crime contra a humanidade, tem como uma das
suas expressões mais cruéis e ofensivas ao mundo
civilizado a ocupação ilegal da Namíbia.
Esse território, riquíssimo em recursos minerais
(inclusive urânio), tem sido explorado de forma brutal pela
África do Sul, que se recusa a retirar suas tropas de ocupação,
numa atitude de flagrante violação do direito internacional
expresso nas repetidas decisões do Conselho de Segurança
da ONU e do Tribunal Internacional de Justiça.
A questão da Namíbia constitui um eixo principal
na resolução dos conflitos e da instabilidade regional
que aflige a África meridional devido à presença
do regime racista e suas agressões contra as populações
negras ao redor e dentro de suas fronteiras. Essa situação
de instabilidade torna a região um dos focos mais perigosos
de potencial conflito internacional no mundo de hoje. Entretanto,
o assunto da Namíbia é pouco conhecido no Brasil
devido, em grande parte, aos interesses econômicos sul-africanos
presentes em nosso País em conseqüência da manutenção
de relações diplomáticas e comerciais com
aquele regime genocida, cuja embaixada e consulados no Brasil
disseminam à vontade a propaganda do regime. O lobby sul-africano,
com seu poder econômico e suas relações estreitas
com os meios de comunicação de massa, praticamente
afastam a possibilidade do público brasileiro obter informações
sobre a real situação da Namíbia.
O Brasil da Nova República, através do Presidente
José Sarney e de outros representantes tem manifestado
o compromisso de atender as reivindicações da comunidade
negra, entre as quais figura a verdadeira recusa ao apartheid
e o apoio às iniciativas da ONU no sentido de implementar
a Resolução nº 435 (1978) do Conselho de Segurança.
O Ministro de Relações Exteriores, Olavo Setúbal,
já declarou através da imprensa a condenação
do Brasil ao regime apartheista. Nas palavras do próprio
Presidente José Sarney em Uberaba, o Brasil
...
jamais poderia tolerar, de qualquer maneira, a discriminação
racial que é, para resumir numa só palavra, desumana,
isto é, não é uma política feita para
a humanidade.
O Conselho das Nações Unidas para Namíbia
é a autoridade legal constituída diante do direito
internacional, reconhecida pelo Tribunal Internacional de Justiça,
pelo Conselho de Segurança da ONU e pela comunidade internacional,
para conduzir a administração do território
namibiano até a sua independência. O Conselho vem
realizando seus trabalhos nesse sentido desde 1966. Entre suas
atividades está a realização de seminários
e reuniões regionais e internacionais com o objetivo de
informar e mobilizar a opinião pública mundial sobre
urgência da situação namibiana, definindo
estratégias de ação para alcançar
a independência do território, de acordo com os princípios
da ordem e da legalidade. Tais seminários e reuniões
têm acontecido em vários países da América
Latina, inclusive em Costa Rica, onde este deputado esteve presente
em 1983, e em Guyana, onde vai ser realizado um evento do Conselho
em agosto vindouro. Entretanto, o Brasil nunca se ofereceu para
hospedar um evento dessa natureza, deixando as autoridades da
ONU sobre a questão namibiana sem nenhum indício
do apoio do nosso País às suas iniciativas.
Um passo concreto que o Brasil poderia dar no sentido de demonstrar
sua posição anti-apartheid, ultrapassando as declarações
verbais que pouco significam, seriam manifestar, ao Conselho da
ONU para Namíbia, seu interesse de que seu próximo
Seminário Regional (1986) ou reunião plenária,
fosse realizado no Brasil. Além de marcar real postura
da Nação brasileira em torno da questão do
domínio assassino do apartheid sobre esse sofrido povo
namibiano, a iniciativa ensejaria uma oportunidade para que a
população brasileira viesse a conhecer algumas informações
sobre a realidade do apartheid existente na África do Sul
e em Namíbia.
Brasília, 5 de junho de 1985.
Abdias Nascimento
(Combate
ao Racismo, n. 5)
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PROJETO
DE RESOLUÇÃO Nº 1.550, DE 1983
Declara feriado nacional o dia 20 de novembro, aniversário
da morte de Zumbi, e Dia Nacional da Consciência Negra,
já celebrado pela comunidade afro-brasileira.
O
Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O dia 20 de novembro, aniversário da morte
de Zumbi, Dia Nacional da Consciência Negra, é declarado
feriado nacional, devendo ser comemorado em todo o território
do País.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Justificação
O dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, marca
o fecho de um episódio da maior significação
na História do nosso País: a epopéia da República
dos Palmares. Entretanto, por ter sido episódio liderado
e organizado por africanos rebelados contra as torturas e a desumanização
do escravismo, nutrido pela cupidez do supremacismo branco europeu,
a sociedade convencional brasileira tem por norma subestimar sua
significação sócio-política e sua
fundamental presença em nossa História como o símbolo
mais eminente de luta pela liberdade. Então, esse extraordinário
evento histórico é diminuído à estatura
de apenas "mais um reduto de escravos fugidos".
Os quilombos nunca foram apenas redutos de escravos fugidos: constituíram
uma antecipação do protagonismo do povo brasileiro
em sua luta por independência, igualdade e democracia. O
máximo exemplo deste ideal da Nação brasileira
está inscrito com o sangue dos construtores e defensores
da República dos Palmares, a primeira e única experiência
de verdadeira liberdade, harmonia étnica e igualitarismo
econômico-social registrado nos fastos da História
do Brasil. Um conjunto de quilombos integrados, organicamente,
naquela República libertária,+- Palmares reunia
uma população de mais de 30.000 habitantes (negros,
índios e brancos), e resistiu através de um século
inteiro às guerras desencadeadas pelas forças armadas
do colonialismo. Em contraste com a economia mercantil da colônia
do Brasil, Palmares tinha uma produção agrícola
desenvolvida segundo o princípio da diversificação.
Se a Nação brasileira tivesse seguido o seu exemplo,
não estaríamos até hoje tentando corrigir
as distorções econômicas de dependência
herdadas da política colonial da monocultura para exportação.
Se tivéssemos seguido o exemplo político da democracia
praticada segundo as tradições africanas e indígenas
na República dos Palmares, não estaríamos
até hoje nos esforçando para construir uma estrutura
de poder com alguma semelhança à democracia. Assimilada
a lição de convivência interétnica
praticada na República dos Palmares, o Brasil não
se apresentaria hoje como um reduto da discriminação,
no qual o negro e o índio sofrem as humilhações
e a marginalização impostas pela dominação
racista herdada do colonialismo europeu.
Zumbi, o último dos líderes democraticamente eleitos
pelos quilombolas da República dos Palmares, tombou em
pleno combate, lutando contra as forças opressoras do escravagismo
colonial, em vinte de novembro de mil seiscentos e noventa e cinco.
Esta data vem sendo comemorada pela comunidade negra e por patriotas
de todas as origens raciais há vários anos. A primeira
Missa dos Quilombos foi rezada a 20 de novembro de 1981, na serra
da Barriga, local alagoano onde a república existiu, por
Dom José Maria Pires e Dom Pedro Casaldáliga, com
a participação de uma multidão de milhares
de pessoas. Por iniciativa de entidades afro-brasileiras do Rio
Grande do Sul, a reivindicação da instituição
do Dia Nacional da Consciência Negra como Feriado Nacional
constitui um objetivo em torno do qual está unida toda
a ampla gama de entidades e organizações da comunidade
negra, entre as quais citamos o Memorial Zumbi, o Movimento Negro
Unificado, o Congresso de Cultura Negra das Américas e
todos os Centros e Institutos de Estudos e Pesquisas de Cultura
Negra e Afro-Brasileiras espalhados pelo país.
Entretanto, é oportuno sublinhar, o dia 20 de novembro
não é uma data de interesse exclusivo da comunidade
afro-brasileira. Muito pelo contrário, ela transcende o
âmbito da comunidade afro-brasileira, já que o 20
de novembro é de suprema importância para toda a
Nação brasiliera, como data histórica nacional
e símbolo da doação heróica da vida
em penhor e amor à liberdade do ser humano em terras brasileiras,
que recusa toda e qualquer forma de escravidão.
Apresentamos, a seguir, uma lista parcial das entidades e organizações
da comunidade afro-brasileira que têm manifestado seu apoio
à proposta de comemoração do 20 de novembro
como Feriado Nacional, através de sua participação
nas atividades do Memorial Zumbi:
SÃO
PAULO:
Centro
de Cultura Afro-Brasileira - CONGADA
Fundação Sócio-Cultural e Assistencial
Afro-Brasileira - PUSOCAAB
Grupo Negro de Piracicaba
Grupo de Divulgação de Arte e Cultura
Movimento Negro Unificado
Centro de Cultura Afro-Brasileira - CECAN
Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas - IBEA
Sociedade de Promoção Social
Centro de Estudos Africanos
Clube Cultural Recreativo
Sociedade Recreativa José do Patrocínio
Escola de Samba Imperial
Escola de Samba X-9
Escola de Samba Paulistano da Glória
Sociedade Acadêmica A. do Samba
Sociedade Beneficente Recreativa Estrela D´Oriente
Sociedade Beneficente Recreativa 28 de Setembro
GRE de Samba Nenê de Vila Matilde
GRES Cabeções de Vila Prudente
Sociedade Recreativa e Cultural Icaraí
Sociedade 13 de Maio de Piracicaba
Tenda Espírita de Candomblé Cabana Eruiá
UESP - União das Escolas de Samba de São Paulo
Grupo Teatro Evolução - GTE
GRC Filhotes da X-9
GRC Império do Cambuci
GRES Mocidade Camisa Verde e Branco
Centro de Cultura Afro-Brasileira
Federação Paulista de Cines-Clube
Liga dos Homens de Cor
Mesquita Muçulmana Afro-Brasileira
GRC Escola de Samba Vai-Vai
Grupo Coral e Artístico Origerança
Grupo Negro da PUC
Movimento Sócio-Cultural da Comunidade Negra de São
José dos Campos
Afrochambier
Casa da Cultura Afro-Brasileira
Centro Cultural e Recreativo Itamarati
Centro Social Cultural Recreativo e Beneficente
Escola de Samba Flor de Vila Dalila
ALAGOAS:
Associação Cultural Zumbi
AMAZONAS:
Movimento Alma Negra - MOAN
BAHIA:
Grupo Adê Dudu
Mallet ACN
Sociedade de Pesquisa Mallet - Arte e Cultura Negra
Bloco Orunmilá
Bloco Afro Male de Balê
Afoxé Olorum Baba-Mi
Sociedade Beneficente e Recreativa S. Jorge do Engenho Velho
Bloco Ilê Aiyê
CEARÁ:
Movimento Negro contra a Discriminação Racial
DISTRITO
FEDERAL:
Centro de Estudos Afro-Brasileiros - CEAB
Sociedade Esportiva "Bola Negra"
Movimento Negro Unificado - MNU - DF
GOIÁS:
Movimento Negro de Goiânia
MARANHÃO:
Centro de Cultura Negra do Maranhão - CCN
Comunidade Jesuíta
Universidade Federal de São Luís
MINAS
GERAIS:
Chico Rei Clube
União Negra Artística e Cultural - UNAC
Clube União de Araxá
MNU de Viçosa
Concórdia Clube
Elite Clube de Uberaba
Jornal Objetivo
Grupo Senzala, União e Consciência Negra
PARÁ:
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - CEDENPA
PARANÁ:
Sociedade 13 de Maio
PERNAMBUCO:
Movimento Negro Unificado - PE
Centro de Cultura Afro-Brasileira
RIO
DE JANEIRO:
Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio
de Janeiro
Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda
Quintal Suburbano
Centro de Estudos Brasil-África
Centro de Estudos e Pesquisa da Cultura
Rádio MEC - Programa Origens
Departamento Geral de Cultura
Movimento Brasileiro Anti-Apartheid
Centro de Estudos Afro-Asiáticos - CEAA
Centro de Informação da ONU
Grêmio Rec. Escola de Samba Fio de Ouro
Irmandade de N. Sra. Do Rosário e S. Benedito dos Homens
Pretos
Granes - Escola de Samba Quilombo
Instituto de Pesquisa de Culturas Negras - IPCN
Secretaria do Movimento Negro do PDT - RJ
Renascença Clube
Olorum Baba-Min
Grupo Afro Agbara Dudu
Grêmio Recreativo Afro Axé Tere Babá
Grupo Afro Aiyê Dudu
RIO
GRANDE DO SUL:
Fundação Leopoldo Senghor
Grupo Tição
Centro Cívico Cultural "Joaquim Messias da Silva"
SANTA
CATARINA:
Sociedade Recreativa Álvaro Gatão
Sociedade Recreativa Capalóide
Sociedade União Mineira
Grupo Afro-Brasileiro
Grupo Afro-Brasileiro de Camboriú
Grupo Afro-Brasileiro de Criciúma
Grupo Afro-Brasileiro de Florianópolis
Grupo Afro-Brasileiro de Itajaí
Grupo Afro-Brasileiro de Jaraguá
Grupo Afro-Brasileiro de Tubarão
SÃO
PAULO:
Ébano Atlético Clube
Grêmio Recreativo Beneficente Familiar 13 de Maio
GRCE Benef. E Fac. Samba Barroca Zona Sul
Centro Comunitário de Cultura Negra - CECUNE
Aristocrata Clube
ACABAB - Associação Casa de Arte e Cultura
Movimento Negro-Pastoral Universitário
Clube José do Patrocínio
Comunidade Negra da Freguesia do Ó
Sociedade Recreativa
Movimento Negro de Araraquara
Sala
das Sessões, 23 de junho de 1983
(Combate
ao Racismo, n. 1)
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Projeto
de Lei nº 5.466, de 1985
Institui
o "Dia Nacional da Empregada Doméstica", a ser
comemorado anualmente a 27 de abril.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica instituída a data de 27 de abril como
o "Dia Nacional da Empregada Doméstica".
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A
empregada doméstica constitui um dos alicerces mais importantes
da nossa economia e sociedade. Cuidando dos trabalhos necessários
à manutenção da casa ela permite que os patrões,
tanto o homem quanto a mulher, donos da casa, possam ficar liberados
para outras atividades produtivas. Suas funções
(da doméstica) estão entre as mais básicas
para o bom funcionamento da vida em sociedade.
Ao mesmo tempo, entretanto, devido aos preconceitos e atitudes
e classe ainda remanescentes da sociedade escravagista e racista
colonial, a categoria da empregada doméstica continua sendo
uma das mais subestimadas, e o valor de seu trabalho o menos reconhecido,
em toda a população operária. Explorada em
seu trabalho, à margem da legislação trabalhista,
e carente de direitos definidos, a empregada ainda sofre humilhações
oriundas do estigma da escravidão. Na sua grande maioria
constituída de mulheres negras, a classe sofre o peso do
racismo brasileiro, sendo objeto de um elenco, grande e variado,
de restrições ao seu movimento, de acusações
injustas e de agressões. A imprensa registra freqüentemente
as arbitrariedades de condomínios e de outras autoridades
contra as empregadas.
Desde 1945, quando no Teatro Experimental do Negro (TEM) se fundou
a Associação de Empregadas Domésticas, numa
iniciativa de membros das classes participantes do TEM, com o
objetivo de conscientizar e defender a classe, as empregadas vêm
tentando conquistar maior reconhecimento, respeito e definição
de direitos trabalhistas. No I Congresso do Negro Brasileiro (Rio,
1950), a principal reivindicação apresentada pelas
representantes da classe foi a da inserção da doméstica
na legislação trabalhista. Até hoje, entretanto,
a classe continua na tentativa de conquistar esses direitos fundamentais,
pois a sociedade brasileira continua surda ao apelo dessa coletividade
sofrida, que tanto contribui para o bom andamento da nossa vida
coletiva.
A Associação de Empregadas Domésticas, organizada
desde 1962 no Rio de Janeiro e em muitos outros Estados da União,
vem amadurecendo cada vez mais sua atuação em favor
da classe. Tendo realizado vários encontros e assembléias
a nível estadual e nacional, essa organização
vem reivindicando junto ao Poder Legislativo da Nação
um justo tratamento dentro das leis, sobretudo aquelas referentes
aos direitos trabalhistas.
O presente projeto de lei concretiza uma das reivindicações
expressas pelas empregadas em várias ocasiões, reuniões
e assembléias, e constitui um primeiro passo no sentido
de homenagear a empregada doméstica, articulando na forma
de um dia dedicado a ela a dignidade e a fundamental importância
de sua contribuição para nossa vida em sociedade.
O dia 27 de abril já é o "Dia da Empregada
Doméstica" no estado do Rio de Janeiro, e sua instituição
a nível nacional representa uma justa homenagem da sociedade
brasileira às empregadas domésticas em todo o País.
Nesta época de redemocratização e de definição
das preocupações sociais da Nova República,
o Congresso Nacional não poderia deixar de atender às
justas ansiedades e aspirações dessa classe, que
representa um segmento tão injustamente alijado das preocupações
e dos processos nacionais. A verdadeira democracia passa obrigatoriamente
pela participação e defesa dos direitos dessa categoria
de trabalho explorada e humilhada, apesar de sua fundamental importância
para o sistema produtivo da Nação.
Sala das Sessões, 9 de maio de 1985
Abdias Nascimento.
(Combate ao Racismo, n. 5)
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PROJETO
DE LEI Nº 3.765 DE 1984
(Do Sr. Abdias Nascimento)
Declara de utilidade pública a sociedade ILE ASIPÁ,
sediada em Salvador - Bahia.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É declarada de utilidade pública a
sociedade cultural e religiosa ILE ASIPÁ, sediada em Salvador,
Estado da Bahia.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A sociedade ILE ASIPÁ, de fins religioso e cultural, está
localizada no município de Salvador, estado da Bahia. Trata-se
de uma organização preocupada com a preservação
da herança litúrgica deixada pelos antepassados
africanos que para aqui vieram durante a escravidão, ligados
pelo axé da família Asipá.
É do conhecimento dos estudiosos dos nossos problemas históricos
e sócio-antropológicos que o processo do sistema
escravista no Brasil, e também o período pós-abolição,
não favorecem a continuidade das estruturas culturais oriundas
da África. As várias línguas africanas, por
exemplo, que durante séculos eram faladas entre a população
de origem africana, aos poucos foram desaparecendo sob a pressão
da intolerância do sistema de ensino e das instituições
culturais das classes dominantes. Atualmente há um grande
esforço de parte tanto dos próprios descendentes
africanos como de instituições convencionais e pessoas
de outras origens étnicas-raciais, no sentido de resgatar
do esmagamento total parte desse acervo cultural em vias de se
perder definitivamente.
Nesse contexto se insere os esforços da sociedade Asipá,
cuja liderança está nas mãos do mais renomado
e competente portador e criador de cultura africana em nosso país:
o mestre Deoscóredes M. dos Santos, popularmente conhecido
como Mestre Didi.
Sacerdote, escritor, escultor e educador, Mestre Didi se propõe,
junto a seus companheiros da sociedade Ile Asipá, a desenvolver
um trabalho espiritual e social de enorme relevância para
a comunidade afro-baiana e afro-brasileira. Por esse meio, recuperando
a história e os valores cultuais e religiosos do povo afro-brasileiro
e do povo brasileiro em geral.
A sociedade Ile Asipá não tem objetivos de lucro,
nem seus dirigentes e associados auferem quaisquer remuneração,
salário ou rendimento.
A Asipá, fundada em 1980, vem cumprindo desinteressadamente
seu programa de assistência cultural e espiritual à
comunidade.
A sociedade Ile Asipá tem personalidade jurídica,
e atende expressamente a todas as exigências legais para
obter o reconhecimento de utilidade pública. Inclusive,
pelo Projeto de Lei nº 5.754/84 do Deputado Jorge Hage, (Diário
Oficial de 28/03/84), a Assembléia Legislativa da Bahia
está prestes a conceder a utilidade pública estadual
à Asipá.
Preenchendo assim todos os requisitos legais (Lei nº 91,
de 28/08/35; Decreto nº 50.517, de 02/05/61; Lei nº
6.639, de 8 de maio de 1979), impõe-se, a nosso juízo,
a Declaração de Utilidade Pública da Sociedade
Ile Asipá, com sede e foro em Salvador-Bahia.
Brasília, 18 de junho de 1989.
Deputado Abdias Nascimento
PDT - RJ
Sala das Sessões, 18 de junho de 1984.
(Combate ao Racismo, n. 3)
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PROJETO
DE RESOLUÇÃO Nº 1.361, DE 1983
Manda erigir Memorial ao Escravo Desconhecido, na Praça
dos Três Poderes, em Brasília, Distrito Federal.
O
Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Será erigido na Praça dos Três
Poderes, ou em outro local central equivalente, em Brasília,
Distrito Federal, no prazo máximo de 3 (três) anos,
Memorial ao Escravo Desconhecido.
Art. 2º O Memorial previsto nesta Lei será construído
de conformidade com projeto arquitetônico escolhido em concurso
público nacional, a ser realizado entre arquitetos brasileiros,
no prazo de 6 (seis) meses.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Justificação
A Praça dos Três Poderes reflete o poder do povo
brasileiro, a nível de nação.
Ninguém contesta ou argumenta contra a verdade histórica
de que o africano escravizado constitui o elemento básico
de edificação da nacionalidade, a força de
trabalho e a força de espírito forjadoras de nossas
estrutura sócio-econômico-culturais, forças
estas que, imprimiram a especificidade do caráter nacional.
Quem melhor que o "Escravo Desconhecido" para simbolizar
a epopéia de construção desse colosso chamado
Brasil, no esforço anônimo de milhares e milhares
de africanos, durante vários séculos, através
de sucessivas gerações?
Esta reivindicação constitui um dos pontos principais
dos movimentos negros e afro-brasileiros que hoje estão,
em todos os rinções do território nacional,
lutando pelo resgate de sua história, de sua identidade,
de sua dignidade humana, de suas liberdades fundamentais e de
seus valores de origem africana.
Esta a matéria que submetemos à elevada deliberação
dos eminentes representantes do povo no Congresso Nacional, de
quem esperamos encontrar a indispensável receptividade,
porquanto confiamos no espírito de justiça social
e cívica para com aqueles que tanto sofreram e tanto doaram
de si mesmos, para que nós hoje pudéssemos desfrutar
das riquezas e das bênçãos deste País.
Sala das Sessões, 8 de junho de 1983.
(Combate ao Racismo, n. 1)
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PROJETO
DE LEI Nº 1.661, DE 1983
Dispõe sobre o crime de lesa-humanidade: discriminar pessoas,
individual ou coletivamente, em razão de cor, raça
ou etnia.
A
Câmara dos Deputados resolve:
Art. 1º Constitui crime de lesa-humanidade, punido nos termos
desta Lei, discriminar pessoas, individual ou coletivamente, em
razão de cor, raça ou etnia.
§
1º Compreende-se por "discriminar em razão de
cor, raça ou etnia" a prática de quaisquer
atos ou omissões que, de maneira explícita, dissimulada
ou empírica, dispensem tratamento diferenciado, ofendendo-as
ou causando-lhes prejuízos materiais ou morais, a pessoas
pertencentes a grupos humanos historicamente sujeitos à
identificação segundo critérios raciais,
étnicos ou de cor epidérmica.
§
2º Não constitui discriminação, nos
termos desta Lei, a aplicação, a pessoas ou a grupos
raciais, étnicos ou de cor historicamente escravizados,
oprimidos ou discriminados como tal, de medidas compensatórias
visando à implementação do princípio
constitucional da igualdade racial.
§
3º É desnecessária a comprovação
de declarações explícitas, intenções,
opiniões ou atitudes subjetivas do responsável ou
responsáveis pela discriminação alegada,
para estabelecer, diante da Justiça, o ato ou omissão
discriminatório; será bastante a comprovação
dos elementos da definição do crime contida no §
1º deste artigo.
§
4º A responsabilidade criminal será de pessoa jurídica:
a) quando a discriminação for praticada por seu
agente, representante, membro ou funcionário de qualquer
nível, quando este esteja representando a pessoa jurídica
ou exercendo suas funções ou atribuições
junto à mesma; ou b) quando a discriminação
for de natureza empírica.
§
5º Compreende-se por discriminação de natureza
empírica aquela que consiste em dispensar o tratamento
envolvido a pessoas pertencentes ao grupo definido: a) em proporção
menor do que sua proporção na população
brasileira segundo o último censo do IBGE, caso o tratamento
seja considerado benéfico (a exemplo de concessão
de emprego ou admissão como membro de uma associação,
não limitando-se a estes exemplos); b) em proporção
maior do que a referida, caso o tratamento seja considerado prejudicial
(exclusão ou demissão em empregos ou sociedades,
não limitando-se a estes exemplos); ou c) em proporção
significativamente inferior, estatisticamente, à proporção
em que o tratamento é dispensado ao restante da população,
caso o tratamento seja considerado benéfico; d) em proporção
significativamente superior à referida, estatisticamente,
caso o tratamento seja considerado prejudicial.
PENA:
Se o responsável pelo crime for indivíduo (pessoa
física), reclusão de 6 (seis) a 15 (quinze) anos
e multa de 20 (vinte) salários mínimos, levando-se
em conta o valor do maior salário mínimo vigente
em território nacional;
Se
o responsável for pessoa jurídica, reclusão
de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, para a pessoa que diretamente executou
a discriminação e de 6 (seis) a 20 (anos), para
o representante legal ou pessoa juridicamente responsável
pela instituição ou entidade responsável
pelo crime; e multa a ser paga pela pessoa jurídica como
tal, de: 1. Para: a) pessoa jurídica sem finalidade de
lucro, sociedade civil ou b) empresa, firma ou estabelecimento
de comércio, indústria, serviços, mercado
financeiro ou do setor agropecuário, como menos de 10 (dez)
funcionários: 50 MVR (maior valor de referência),
ou 20% da folha bruta mensal de pagamento (caso tenha), valendo
o maior valor; 2. Para pessoa jurídica enumerada no item
(a) ou (b) do número 1, com 10 a 200 funcionários:
35% da folha bruta mensal de pagamento ou 100 MVR, valendo o maior
valor; 3. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou
(b) do número 1 acima, com mais de 200 funcionários:
40% da folha bruta mensal de pagamento ou 200 MVR, valendo o maior
valor.
Art.
2º Subestimar, estereotipar ou degradar grupos étnicos,
raciais ou de cor ou pessoas pertencentes aos mesmos por meio
de palavras, imagens ou representações, através
de quaisquer meios de comunicação.
PENA:
Quando o responsável pelo crime for indivíduo (pessoa
física), detenção de 2 (dois) a 8 (oito)
a nos e multa de quinze salários mínimos no valor
maior vigente no território nacional; se o responsável
for pessoa jurídica, prisão simples de 2 (dois)
a 8 (oito) anos para o autor direto do crime, e de 4 (quatro)
a 12 (doze) anos para o responsável legal pela instituição
ou entidade; e multa, a ser paga pela pessoa jurídica como
tal, de: 1. Para: a) pessoa jurídica sem finalidades de
lucro, sociedade civil ou b) empresa, firma ou estabelecimento
de comércio, indústria, serviços, mercado
financeiro ou do setor agropecuário, com menos de 10 (dez)
funcionários. 50 MVR (maior valor de referência),
ou 20% da folha bruta mensal de pagamento (caso tenha), valendo
o maior valor; 2. Para pessoa jurídica enumerada no item
(a) ou (b) do número 1, com 10 (dez) a 200 (duzentos) funcionários:
35% da folha bruta mensal de pagamento ou 100 MVR, valendo o maior
valor; 3. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou
(b) do nº 1 acima, com mais de 200 funcionários: 40%
da folha bruta mensal de pagamento ou 200 MVR, valendo o maior
valor.
Art.
3º Os crimes nesta Lei terão suas penas aumentadas:
I - a pena será duplicada:
a) se a vítima for menor ou tiver diminuída sua
capacidade física, psicológica ou de entendimento;
b) se o crime for praticado na seleção de candidatos
a emprego ou cargo público;
c) se o crime for praticado por funcionário público
no exercício de suas funções;
d) se o crime for praticado por empregado ou professor de estabelecimento
de ensino no exercício de suas funções.
II - Nos casos de reincidência a pena será aumentada
de dois terços.
Art. 4º O processo referente aos crimes previstos nesta lei
obedecerá o rito sumário.
Art. 5º Revoga-se a Lei nº 1.390/51 e outras disposições
em contrário.
Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A comunidade afro-brasileira vem clamando, há anos, pela
revogação da chamada Lei Afonso Arinos, ou seja,
a Lei nº 1.390/51, e a sua substituição por
um dispositivo legal que realmente puna, como determina o art.
153, § 1º, da Constituição Brasileira,
o preconceito e a discriminação de cor e de raça.
O presente projeto de lei, definindo essa discriminação
como crime contra a humanidade, como anteriormente foram definidos
o anti-judaísmo nazista e o apartheid da África
do Sul, não é apenas de um deputado, mas de toda
a comunidade negra brasileira, cujos membros e porta-vozes estão
unanimemente de acordo quanto à ineficácia da chamada
Lei Afonso Arinos. A primeira razão é de uma simplicidade
elementar: a existência da referida lei de nenhuma forma,
desde qualquer perspectiva, foi eficaz para diminuir a prática
do racismo em nosso País. Diariamente, deparamos com fatos
de discriminação e preconceito racial que nunca
chegam à Justiça ou cujos processos são arquivados
sob um ou outro pretexto ou subterfúgio jurídico.
Tal situação chega ao extremo nos casos em que as
vítimas da discriminação, quando conseguem
chegar até à barra da justiça com sua queixa-crime
contra os discriminadores, são ameaçadas de serem
acusadas e processadas, por crime de calúnia.(1)
Entre muitos negros que vêm se pronunciado sobre a Lei Afonso
Arinos, está o professor universitário, pesquisador
e integrante da frente Negra para Ação Política
de Oposição (FRENAPO), Hélio Santos, que
comentou há um ano em artigo publicado na Revista Veja:
(2)
"As
denúncias de atitudes racistas, particularmente na década
de 70, foram importantes para o despertar da comoção
letárgica a que muitos estavam submetidos pela tese da
"democracia racial" divulgada interna e externamente,
mas que não resiste à menor análise: a comunidade
científica já a rejeitou há algum tempo,
e a sociedade brasileira como um todo nela não crê,
pois não a vive em seu cotidiano. Pelo contrário,
o que se observa é uma discriminação racial
eficaz e sofisticada que, justamente por se apresentar com 1.000
caras, sempre escapou ilesa das tentativas de combate frontal.
Brandir
a "Lei Afonso Arinos", que considera o racismo contravenção
(e não crime, como crêem muitos), é um expediente
que a pequena classe média negra já abandonou -
mesmo porque em mais de trinta anos de existência (a lei
é de 1951), não conseguiu condenar um racista sequer.
Na verdade, a "Lei Afonso Arinos" não atende
à nossa realidade racial por ser absolutamente inadaptada
às circunstâncias em que ocorre a discriminação
no Brasil. Como determinar, por exemplo, com a certeza que a justiça
pede, que houve discriminação racial na admissão
a uma vaga de emprego em uma empresa? Esta poderá simplesmente
alegar que o postulante não possui os requisitos técnicos
exigidos para o cargo.
A
comunidade negra prepara-se para a montagem de um cerco eficiente
a todo esse cipoal de dificuldades colocado em seu caminho e,
para tanto, há de contar com três suportes fundamentais:
os meios de comunicação, a fim de restaurar a imagem
do negro, tão combalida e deturpada; uma legislação
que considere o caráter atípico do racismo brasileiro
e puna os responsáveis, como determina a Constituição;
e, finalmente, a organização da população
negra a partir do fortalecimento das entidades negras e tendo
como referência centros comunitários que de forma
estratégica devem distribuir-se regionalmente."
A mobilização da comunidade negra, através
de suas entidades representativas, constitui um fato relevante
da história contemporânea, provocado exatamente pelo
estrondoso fracasso da Lei nº 1.390/51, e da própria
salvaguarda da Constituição, no sentido de impedir
que o racismo e a discriminação racial se constituíssem
em fatos permanentes na vida cotidiana afro-brasileira. Desde
a década dos 20, a imprensa negra conclama a comunidade
à resistência contra a discriminação.
Na década dos 30 tivemos a Frente Negra Brasileira, movimento
popular de massa, ocupando as ruas em passeatas e atos públicos
contra o racismo. Na década dos 40 e 50 houve a Convenção
Nacional do Negro, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro,
o Teatro Experimental do negro, o 1º Congresso do Negro Brasileiro.
E nos últimos 15 anos constatamos a proliferação
em toda a extensão territorial, de centenas de entidades
negras, cuja revolta conta o racismo se concretizou em manifestações
massivas, unindo toda essa gama de organizações
afro-brasileiras. Dois exemplos constituem o ato público
de 7 de julho de 1978 (SP), que deu à luz o Movimento Negro
Unificado; e o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas
(SP 1982), e prosseguindo o movimento que reúne militantes,
intelectuais e protagonistas culturais de toda a diáspora
africana neste chamado Novo Mundo.
O presente projeto de lei tem como objetivo cumprir a segunda
exigência da comunidade negra, de uma lei que realmente
puna o racismo e a discriminação racial.
Apresentamos, a seguir, a justificação jurídica
e social detalhada desta exigência, enunciada há
dois anos através da voz uníssona e coletiva da
comunidade afro-brasileira, reunida em São Paulo na 2ª
Semana Brasileira de Cultura Negra:
RELATÓRIO
DA 2ª SEMANA BRASILEIRA DE CULTURA
NEGRA SOBRE A LEI AFONSO ARINOS
Conforme resolução tomada pela comunidade afro-brasileira
no "Fórum de Debates", realizado durante a "II
Semana Brasileira de Cultura Negra", na Câmara Municipal
de São Paulo (14 a 23 de novembro de 1980), onde foi exaustivamente
debatida a Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, conhecida
por Lei Afonso Arinos, os partícipes em assembléia
elegeram, entre os presentes, uma Comissão de Trabalho
(3), com o objetivo de criar um anteprojeto de lei contra a discriminação
racial, em substituição à lei vigente.
Devido à função tão importante desempenhada
pelas Associações Negras em defesa de nossa Comunidade,
o Plenário considerou indispensável a união
de todas as entidades afro-brasileiras no País, na elaboração
deste anteprojeto, sugerindo, inclusive, a ampliação
do debate deste problema no seio das diversas associações.
Elaborada na fase após guerra, quando o nazifascismo racista
havia sido derrotado, a Lei nº 1.390/51 foi uma resposta
do Brasil às potências estrangeiras que, a par das
alterações, apresentavam graves conflitos raciais
internos. O Brasil, na época chamado "subdesenvolvido",
respondia às críticas das nações desenvolvidas,
apresentando-se como sendo País sem problemas raciais,
ou seja, uma "democracia racial".
Todavia, na mesma época, devido ao incremento dado à
industrialização, ao advento dos cursos noturnos,
profissionalizantes, bem como à obrigatoriedade de concurso
público para a admissão ao funcionalismo, aconteceu
que o negro, que desde a abolição era preterido
no mercado de trabalho, finalmente iniciou, com décadas
de atraso, sua competição com o imigrante europeu
e seus descendentes.
Nesse momento, o racismo vem à tona com todo o furor e
as associações, bem como a imprensa negra, denunciavam
inúmeros casos de racismo. Aliás, a Lei nº
1.390 está intimamente ligada à luta empreendida
por aquelas associações contra a discriminação
racial, a despeito de nem o jurista Afonso Arinos, ou qualquer
comentarista da lei levar este importante fato em consideração.
Nesta luta anti-racismo destacou-se a FRENTE NEGRA BRASILIERA
que desde a década de trinta promovia protestos públicos
denunciando a situação crítica dos negros
brasileiros.
Em 1946, o Teatro Experimental do Negro, criado pelo notável
Abdias do Nascimento, promoveu em São Paulo a CONVENÇÃO
NACIONAL DO NEGRO. Nesta Convenção foi lançado
um manifesto onde se reivindicava uma lei antidiscriminatória
para o Brasil. Este manifesto foi lido pelo Senador Hamilton Nogueira,
perante a Assembléia Constituinte de 1946, mas a idéia
não foi adiante. Somente em 1950, quando a atriz norte-americana
Katherine Dunhan teve sua entrada barrada no antigo Hotel Esplanada,
em São Paulo, caso amplamente comentado pela imprensa brasileira
a internacional, foi que veio à luz a primeira lei brasileira
anti-racismo, a Lei nº 1.390, que leva o nome de seu criador
Afonso Arinos. Todavia, com Justiça, Abdias Nascimento
diz que esta lei deveria chamar-se LEI CONVENÇÃO
NACIONAL DO NEGRO.
A situação do negro era premente e, assim, a exemplo
de 1.888, dá-se solução jurídico-formal
para a problemática negro brasileira, sem mudar o status
quo, com a imperfeita Lei Afonso Arinos. Esta legislação,
da mesma forma que as chamadas leis benéficas da época
da escravatura (Lei do Ventre Livre, etc.), foi escrita por excelente
jurista, contudo apresenta imperfeições que a tornam
inócua para proteger o discriminado.
Este foi o consenso a que se chegou na II SEMANA BRASILEIRA DE
CULTURA NEGRA, após amplo e democrático debate realizado
pela comunidade presente. Concluindo-se que a discriminação
de raça ou de cor deverá ser definida como crime
em legislação penal, que venha a revogar a Lei nº
1.390/51, traduzindo desta forma a intenção do Legislador
Constitucional, quando o parágrafo 1º do artigo 153
deu devida ênfase à discriminação de
cor ou de raça, no sentido de que a lei ordinária
venha a defini-la como CRIME.
A
discriminação de cor de raça e a lei
A preocupação de efetivar a igualdade dos direitos
entre os cidadãos, declarados inicialmente nos documentos
internacionais, como a "Declaração dos Direitos
do Homem", "Carta da ONU", e posteriormente na
Constituição e leis ordinárias brasileiras,
mais se ativa diante do reiterado descumprimento desses diplomas
legais.
É
flagrante e reiterada a prática de atos discriminatórios,
resultantes do preconceito de cor e de raça, principalmente
visando o negro, na nossa sociedade.
Não é preciso que os jornais noticiem um fato nesse
sentido para que se venha a público. O preconceito de cor
e de raça, que gera uma série de desrespeitos aos
direitos e à integridade do elemento afro-brasileiro, é
uma constante no dia-a-dia de nossa sociedade.
Não se limita essa prática à recusa de entrada
de um negro num recinto de sociedade recreativa, cultural, restaurante,
bar ou elevador social de algum prédio. Na sutileza do
ato que elimina o afro-brasileiro da plena participação
no sistema econômico, político e social é
que reside a maior afronta aos direitos do cidadão, constituindo-se
no ponto crucial da questão. A recusa frontal declarada
é um mínimo ante a gama de ocorrências degradantes
que atinge o negro na sua dignidade pessoal, no seu decoro, no
seu brio.
Tal procedimento alija o negro da sociedade de nível médio
para cima, obrigando-o a permanecer nas camadas menos providas
de recursos para a sobrevivência. Daí forma-se o
círculo vicioso. O negro é pobre, quase analfabeto.
Porque não progride não pode concorrer em nível
de igualdade no campo econômico, político e social.
Porque não concorrer, não sai da situação
de pobreza e analfabetismo.
Para quem não percebe este mecanismo de exclusão,
é perfeitamente justificável ver o negro marginalizado,
favelado, inferiorizado, afastado da economia, da política
e dos demais setores mestres do sistema. Ocorre que, envolvido
por um condicionamento que, desde o nascer, o afasta dos seus
verdadeiros valores e o cega quanto à realidade, inconscientemente,
ele - negro - se alija e engrossa o contingente dos desprovidos
da fortuna. Daí passa a viver inseguro, temeroso, estranho
na sua própria terra. Desestimulado ante a grande barreira
que encontra, caluniado e massacrado, quando consegue fugir a
esse condicionamento procura, a duras penas, acreditar em si mesmo
buscando seu direito de cidadão. Não que seja incapacitado
para atingir certos níveis, mas cansado, extenuado, esgotado,
na sua pobreza, necessitando meramente de sobreviver. O mecanismo
dessa trama toda, somente compreensível a poucos, exemplifica
a situação do negro brasileiro.
E ante uma negativa do preconceito racial, o negro é desacreditado,
conduzido, e, caso resolva assumir-se, é recriminado. Está
fora do seu lugar. Fora da posição que lhe impuseram.
O negro brasileiro está para o branco como a criança
está para o adulto. Só é benquisto quando
submisso, tutelado. E com isso, quem conduz os destinos de todos?
Quem determina? Quem legisla? Quem possui direitos? Enquanto isso
durar, a situação será sempre a mesma. E
como reagir? Como mudar os costumes?
A lei é o único caminho, pacífico e de menor
custo social, para a solução deste problema. A lei,
porque ela prevê e dispõe sobre os direitos previstos,
inclusive nos documentos internacionais.
Temos leis, porém lei é muito mais do que disposições
folclóricas. Muito mais do que artifícios oportunistas
fundados em motivos meramente políticos, com a finalidade
de amainar certos atritos iminentes. Até uma Constituição
Nacional que rege e disciplina a conduta dos cidadãos,
se não soubermos respeitá-la, não passará
de mera letra morta.
Nossa Constituição dispõe que todos são
iguais, no entanto, de fato, inexiste esta igualdade. A lei que
pretendeu punir o preconceito racial não passou de uma
cortina de fumaça, se nasceu tíbia, muito breve
perdeu sua razão de ser. Implodiu em si mesma. Falamos
da Lei Afonso Arinos.
Ela, de início, chamou a atenção para o problema,
mas quando tentou-se aplicá-la, funcionou mal. Depois,
trouxe a público o alerta de que não se pode negar
direitos aos negros invocando o preconceito racial. Dizem que
se não serviu para muitos, pelo menos amedrontou. Colocou
o negro na posição do cão que leva um pontapé
e acariciado é novamente, colocado ao chão para
levar outro, porque ali é o seu lugar. Não reparou
dando morais nem jurídicos na altura em que deveria, se
é que considerava o negro um cidadão, um ser humano.
Depois descobriu-se a falácia desta lei. A expressão
"por preconceito de raça ou de cor", como aparece
em seu texto, facilitou a ação daqueles que desejavam
ver o negro excluído da participação social,
pois negar direitos sob a invocação de raça
ou de cor é mera contravenção penal. Usou-se
o engodo, subterfúgios, porque não se falando de
cor ou de raça não haveria a tal contravenção.
Por meio destes expedientes, casos enquadráveis na lei,
representavam, no máximo, 1% das ocorrências concretas
de discriminação.
Mudou-se a estratégia. Veja-se o valor do negro, seu lugar
na sociedade, isto é, essa lei ajudou a afastar de uma
vez por todas a possibilidade de se defender o direito violado.
Não cumpriu seu papel de norma jurídica e prejudicou
os direitos dos discriminados.
A Constituição não é auto-aplicável,
uma vez que determinou a criação de lei própria
para punir a discriminação de cor ou de raça.
Todavia, a lei criada (nº 1.390/51) não foi capaz
de coibir a prática de tal infração.
Ora, se o Direito, que é um conjunto de normas jurídicas
que rege as relações entre os homens em sociedade,
definiu a eliminação física das pessoas,
como crime punível por lei, a discriminação
de cor, de raça ou de etnia, por ser prática de
ato que também destrói moralmente o ser humano,
ferindo-o em sua dignidade, terá, irrefutavelmente que
ser definido e enquadrado como crime e não como mera contravenção.
Comentários
à Lei nº 1.390/51
A Lei nº 1.390 foi aprovada por um corpo legislativo composto
por mais de uma centena de pessoas, portanto muitos são
os responsáveis por sua inaplicabilidade e defeitos. Recebida
com aplausos, ela tipifica como contravenção penal
atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor.
Em seus nove artigos o legislador, usando as expressões
"recusar", "negar", "obstar", descreve
as mesmas situações diversas vezes, tornando a lei
excessivamente casuística, traindo profundamente sua natureza
penal. Ora, isto faz com que certas circunstâncias claramente
racistas fujam do tipo legal, pois a lei penal mal redigida corrobora
para a impunidade, impedindo a busca da verdade.
Um dos aspectos mais graves da Lei Afonso Arinos, encontra-se
no fato de a discriminação racial ser incluída
entre as contravenções penais, tendo em vista que
a punição a esta espécie de infração
visa apenas prevenir a ocorrência de crimes (...)
Infelizmente, o legislador penal considerou a prática de
racismo como ato apenas levemente prejudicial à sociedade,
semelhante ao porte ilegal de armas, vadiagem, etc... Atos estes,
reprimidos somente porque podem causar futuros prejuízos
ou perigos à segurança social. (...)
Há, no delito contravenção, uma idéia
de pouca gravidade, ou seja, ela ofende menos do que o delito-crime:
"Em
geral, se vê na contravenção um ato em si
mesmo inocente, que não causa dano, reprimido não
pela sua maldade, mas porque pode criar perigo para a sociedade.
Nos crimes haverá um mal positivo, que cumpre coibir com
sanções mais severas que as empregadas nas contravenções."
(4)
Após estas ponderações, custa acreditar que
o racismo, no Brasil, não seja crime e sim simples contravenção.
Concluímos que a discriminação racial deve
ser legalmente caracterizada como Crime Contra a Pessoa (5) e
como tal deve ser seriamente punida, através de legislação
clara, breve e simples. (6) (...)
A subcomissão de juristas passa agora a apresentar o texto
da Lei acompanhada de comentário, visando dar conhecimento
deste texto e elucidar os pontos falhos por ela apresentados,
responsáveis pelo fracasso dessa norma como defensor dos
direitos, e pelo conseqüente desrespeito aos direitos dos
cidadãos a que ela visa.
"Art.
1º Constitui contravenção penal, punida nos
termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial
ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, de servir, atender
ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça
ou de cor.
Parágrafo único. Será considerado agente
da contravenção o diretor, gerente ou responsável
pelo estabelecimento."
A Lei inclui a prática do preconceito racial entre as contravenções
penais.
A Comissão entende que, de acordo com o sistema legal do
País, que se funda na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, Carta da ONU e demais tratados internacionais
que se preocupam com a defesa dos direitos inalienáveis
do ser humano, se todos são iguais perante a lei e todo
o homem nasce livre e igual em dignidade e direitos, não
pode a ofensa aos direitos de qualquer pessoa ser punida com pena
branda como o porte de arma ou a transgressão de uma norma
de conduta, visto que envolve a personalidade humana. Foi baseado
nesses princípios que o Código Penal Brasileiro
capitula entre os crimes e como tal prescreve punição,
a ofensa à dignidade e ao decoro da pessoa humana. E, considerando
que o preconceito racial nega direitos ao cidadão, cerceia
a realização de sua plena capacidade pessoal, imprime
uma conotação que alija a pessoa da comunidade sem
motivos outros que a cor da pele, ou a origem étnica, quando
esses mesmos valores são motivos de honra e de orgulho
para as demais origens, e, considerando que tal situação
denota um frontal desrespeito à pessoa humana, conseqüentemente
ofende sua honra, sua dignidade e seu decoro, a Comissão
protesta pela inclusão da prática de preconceito
racial que marginaliza e procura despersonalizar a pessoa, entre
os crimes. (...)
A Lei nº 1.390/51 exige que, para incorrer em dispositivo
legal, seja expressa a recusa da participação do
paciente, por preconceito de raça ou cor.
Essa exigência torna a lei impraticável. Em primeiro
lugar, a lei penal não é de interpretação
analógica, ou seja, ela não tem força para
punir em comparação. É preciso que o fato
concreto se enquadre nos artigos da lei. Ora, a evolução
social torna alguns conceitos obsoletos. Se pareceu ao legislador,
na época que o preconceito de raça ou de cor se
caracterizada apenas na recusa frontal à entrada ou atendimento
em qualquer estabelecimento, o aprimoramento das interpretações
relativas a relações sociais, nos trouxe claro o
entendimento de que não é necessário a expressão
vocabular para praticar o preconceito. A prática do objetivo
visado pela lei, por uma série de razões, mudou
sua forma, com essa nova feição; dissimulada, velada,
ele se apresenta na mesma ou até em maior proporção,
arrebatando todas as possibilidades de participação
igualitária do afro-brasileiro na sociedade.
No entanto, quando se recorre à justiça para reparação
das ofensas e punição do agente, não se encontra
guarida, pois o texto legal exige o vocábulo; raça
ou cor. Mais uma vez a fragilidade dessa lei deixa ao desabrigo
da Justiça, desrespeitado e inseguro, o cidadão
que, por lei, é detentor do mesmo direito. São inúmeros
os casos em que a queixa sucumbe de se constituir um processo
ou então vai o processo para o arquivo, porque a Lei não
fornece condições fundamentais ao julgador para
distribuir a Justiça.
Como pode ocorrer com toda norma disciplinadora das relações
sociais, a Lei nº 1.390 tornou-se obsoleta, desatualizada,
não se coaduna com a realidade em que vivemos; e assim
não cumpre seu objetivo de norma jurídica.
Quanto ao seu parágrafo único, é válido
também o comentário acima. Do boteco e da venda,
lojas e estabelecimentos comerciais se transformaram em grandes
lojas de departamentos, onde se perde de vista quem é o
gerente, quem é o Diretor. Daí dificultar a aplicação
da pena, porque o Direito não admite que a pena atinja
além do delinqüente.
"Art.
2º Recusar alguém hospedagem em hotel, pensão,
estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade por preconceito
de raça ou cor.
Pena - Prisão simples de três meses a um ano e multa
de 5 a 20 cruzeiros."
Além da má redação, este artigo não
consegue atingir os casos em que negros são aceitos como
hóspedes, mas tem sua entrada barrada nas piscinas, boates
e outros recintos do próprio estabelecimento que os está
hospedando, simplesmente pelo fato de serem negros.
Recusar hospedagem em hotel por preconceito de raça ou
de cor é uma constante no Brasil, principalmente em grandes
hotéis, hoje classificados em estrelas. Cabe aqui o reforço
do que, atrás, dissemos. Essa prática sempre se
oculta atrás de artifícios tão bem arquitetados
que não deixam alternativas a uma lei que se atém
a expressões vocabulares. Além do mais, se por uma
outra razão de interesses próprios, é concedida
hospedagem, como se isso fosse a prestação de um
favor, ela vem acompanhada de insinuações e hostilidades
que acabam por desencorajar o cidadão. Assim, tacitamente,
de maneira velada, se nega o direito da escolha a uma condição
compatível com a sua posição pessoal. É
uma ofensa ao decoro e à dignidade que a lei permite seja
reiteradamente praticada.
"Art.
3º Recusar a venda de mercadoria em loja de qualquer gênero,
ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais
semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos,
bebidas, refrigerantes e guloseimas, por preconceito de raça
e de cor.
Pena
- prisão simples de quinze dias a três meses, ou
multa de 50 centavos a 5 cruzeiros."
Também aqui se observa redação confusa e
repetitiva, por exemplo, a expressão "aberto ao público'
prejudica a compreensão e aplicação da lei,
dando a impressão e aliás, na prática tem
ocorrido, de que nos estabelecimentos destinados a público
especial, pode-se praticar racismo. Da mesma forma a lei não
abrangeu as situações discriminatórias, por
motivo de raça, que ocorrem nas vendas domiciliares, realizadas
através de representantes, vendedores, corretores, etc...
"Art.
4º Recusar entrada em estabelecimento público, diversão
ou esporte, bem como em salões de barbearia ou cabeleireiros
por preconceitos de raça ou de cor.
Pena - Prisão simples de quinze dias a três meses
ou multa de 50 centavos a 5 cruzeiros."
Aqui também o termo "estabelecimento público"
tem sido interpretado (vide Jurisprudência anexa) como os
que atendem o público em geral; e os clubes, por exemplo,
discriminam por motivo de cor ou de raça, uma vez que atendem
público especial, associado.(7) A expressão "recusar
a entrada" não abrange atendimento, portanto permitir
a entrada e não atender o interessado, por motivo de cor
ou de raça, poderá passar impune pela lei. Este
artigo da lei não inclui os salões de manirures
e pedicures e o Juiz, não podendo fazer uso da analogia,
nem da interpretação extensiva, não poderá
puni-los enquanto recusem atendimento por motivos de raça.
"Art.
5º Recusar inscrição de aluno em estabelecimento
de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça
ou de cor.
Pena
- prisão simples de três meses a um ano ou multa
de 50 centavos a 5 cruzeiros.
Parágrafo
único. Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino
a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada
em inquérito regular."
Em sendo proibida analogia, a recusa de inscrição
compreenderia também o direito à intervenção?
E a participação em certas atividades escolares,
como excursões, visitas, etc?
"Art.
6º Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo
público ou serviço em qualquer ramo das forças
armadas, por preconceito de raça ou de cor.
Pena - Perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em
inquérito regular, para o funcionário dirigente
da repartição de que dependa a inscrição
no concurso de habilitação dos candidatos."
Por mais incrível que possa parecer, a discriminação
racial na seleção para cargos públicos e
serviços nas forças armadas não constitui
sequer contravenção penal, em razão da penalidade
aplicada. Isto porque a Lei de Introdução ao Código
Penal e à Lei das Contravenções Penais, Decreto-lei
nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, define contravenção
penal como a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas
alternativamente, conforme art. 1º do decreto-lei supracitado.
Portanto, no conteúdo do art. 6º que ora comentamos,
se trata de mera infração administrativa, em vista
de a penalidade constituir "perda do cargo".
"Art.
7º Negar emprego ou trabalho a alguém, em autarquia,
sociedade de economia mista, empresa concessionária de
serviço público ou empresa privada, por preconceito
de raça ou de cor.
Pena
- Prisão simples de três meses a um ano e multa de
50 centavos a 5 cruzeiros, no caso de empresa privada, perda do
cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia,
sociedade de economia mista e empresa concessionária de
serviço público."
Da mesma forma que no capítulo anterior, o racismo praticado
em autarquias, sociedade de economia mista ou empresa concessionária
de serviço público não constitui sequer infração
penal: é mera falta administrativa, em razão da
pena a ser aplicada. Além da confusão em torno das
expressões "sociedade de economia mista", "empresa
concessionária de serviço público",
que o legislador cita-as como se não fossem empresas privadas.
"Art.
8º Nos casos de reincidência, havidos em estabelecimentos,
poderá o Juiz determinar a pena adicional de suspensão
do funcionamento, por prazo não superior a três meses."
Este artigo é absurdo, pois ao invés de agravar
a penalidade nos casos de reincidência, dá ao Juiz
o poder de aplicá-la facultativamente, usando o vocábulo
"poderá..."
Esperamos nós, os descendentes dos africanos escravos construtores
deste País o mero gesto de justiça deste Congresso
aprovando o presente Projeto de Lei.
CITAÇÕES
(1) Lélia Gonzáles, em Lugar do Negro - Rio: marco
Zero, 1981.
(2) Hélio Santos, "Chegou a Hora de Refletir",
Veja - 16-6-1982, pág. 162.
(3) A Comissão eleita foi composta dos seguintes membros:
Ademil Lopes, Ana Maria Rodrigues Riberio, Celso Prudente, Cláudio
Fermiano, Clóvis Moura, Eduardo de Oliveira, Eunice Aparecida
de Jesus, Joaquim Beato, João Batista de Jesus Felix, Jurandir
Nogueira, Maria de Jesus, Neuza Maria Pereira Lima, Orlanda Campos
e Wilson Prudente.
(4) Garcia, Baliseu - Instituições de Direito Penal,
4ª ed. - S. Paulo, Max Limonad, 1976, Vol. I - Tomo I, págs.
198-199.
(5) Campos, Orlanda - Da Lei Afonso Arinos, Comunicação
Apresentada na 30ª Reunião da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, julho/1978. Publicada no Suplemento
Ciência e Cultura, Vol. 30, pág. 100.
(6) Jesus, Eunice Aparecida de - Preconceito Racial e Igualdade
Jurídica no Brasil. São Paulo, 9/outubro/80 - (Tese
de Mestrado - Faculdade de Direito da USP), pág. 226 a
242, 1980.
(7) Manuel Carlos da Costa Leite, in Lei das Contravenções
Penais, Ed. Revista dos Tribunais, S. Paulo, 1976.
Sala
das Sessões, 30 de junho de 1983.
(Combate
ao Racismo, n. 1)
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Indicação
nº 15, de 1985
Sugere
a manifestação da Comissão de Relações
Exteriores sobre oportunidade do rompimento, pelo Brasil, de relações
diplomáticas com a África do Sul.
Nos termos do art. 125, do Regimento Interno, encaminho à
Mesa apresente indicação solicitando que a Comissão
de Relações Exteriores se manifeste acerca da oportunidade
do rompimento, pelo Brasil, de reações diplomáticas
com o Governo da África do Sul.
Justificação
O regime de massacre dos negros sul-africanos praticado pelo Governo
da minoria branca que domina a África do Sul tem merecido
a condenação de todas as nações civilizadas.
A Assembléia Geral da ONU, em várias ocasiões
votou resoluções recomendando aos Estados-membros
o isolamento da África do Sul Através do rompimento
de quaisquer tipos de intercâmbio diplomático, econômico,
esportivo, cultural etc., como forma de pressão visando
acabar com o apartheid definido como um crime contra a humanidade.
Ainda neste mês, o Conselho de Segurança a ONU votou
uma Resolução, por unanimidade, condenando a África
do Sul pela matança de negros que se manifestavam conta
o apartheid. Pela primeira vez os Estados Unidos deram o seu voto
favorável a uma resolução condenatória
ao governo racista daquele país.
As ações internacionais contra o apartheid se intensificam,
e nesse sentido devemos mencionar um projeto de lei que acaba
de ser apresentado ao Congresso dos Estados Unidos pelos deputados
mais conservadores - Bob Walker, Newt Gingrich e Vin Weber -,
impedindo que o Governo americano faça contratos com empresas
americanas que operam na África do Sul seguindo a política
segregacionista. De acordo com tal projeto de lei, o representante
dos Estados Unidos no FMI deverá opor-se à concessão
de qualquer empréstimo solicitado pela África do
Sul.
É
inadmissível que o Brasil não reaja a esses apelos
internacionais de boicote a um país que tanto agride e
ofende os sentimentos nacionais de repúdio à intolerância
racial. Pois esses sentimentos não são apenas da
grande parcela do nosso povo de origem negro-africana, mas de
todos os brasileiros que abominam o crime racista, como este de
dezenas de assassinados, em Vitenhage, nestes últimos dias
quando, ironicamente, se comemora o Dia Internacional pela Eliminação
da Discriminação Racial.
Esperamos que a abertura política da nossa Nova República
signifique também uma posição nova diante
da África do Sul cujo poderoso lobby em nosso País
não pode continuar desafiando nosso compromisso com a efetiva
e verdadeira igualdade de todos os seres humanos.
Brasília, 27 de março de 1985.
Abdias Nascimento.
(Combate ao Racismo, n. 6)
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PROJETO
DE LEI N.º 1.332, DE 1983
Dispõe
sobre ação compensatória visando à
implementação do principio da isonomia social do
negro, em relação aos demais segmentos étnicos
da população brasileira, conforme direito assegurado
pelo art. 153, § 1º da Constituição da
República.
O Congresso Nacional decreta:
Art.
1º As autoridades públicas, os mandatários
governamentais e a sociedade civil brasileiros deverão
tomar medidas concretas, de significação compensatória,
para implementar, para os brasileiros negros (de ascendência
africana), o direito que lhes é assegurado pelo art. 153,
§ 1º, da Constituição da República,
à isonomia concedida a todos os brasileiros, nos setores
de oportunidade de trabalho, remuneração, educação
e tratamento policial, entre outros.
Art. 2º Todos os órgãos da administração
pública, direta e indireta, de níveis federal, estadual
e municipal; os Governos federal, estaduais e municipais; os \ministérios;
as Secretarias estaduais e municipais; as autarquias e fundações;
as Forças Armadas; o Poder Judiciário, o Poder Legislativo
e o Poder Executivo são obrigados a providenciar para que
dentro dos espaços de suas respectivas atribuições,
sejam tomadas medidas de ação compensatória
visando atingir, no respectivo quadro de servidores, funcionários
e titulares, a participação de pelo menos 20% (vinte
por cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres
negras, em todos os escalões de trabalho e de direção,
particularmente aquelas funções que exigem melhor
qualificação e que são melhor remuneradas.
§
1º Todos os órgãos citados anteriormente são
obrigados a comprovar, anualmente, perante o DASP e seus similares
estaduais e municipais, as medidas tomadas e executadas no cumprimento
deste artigo.
§
2º As repartições públicas e outras
entidades mencionadas neste artigo comprovarão, de cinco
em cinco anos, os resultados das medidas de ação
compensatória executadas, submetendo-se a objetivamente
a participação de homens e mulheres negros em todos
os níveis.
Art.
3º As empresas, firmas e estabelecimentos, de comércio,
indústria, serviços, mercado financeiro e do setor
agropecuário, executarão medidas de ação
compensatória visando atingir a participação,
no seu quadro de empregados, diretores e administradores, de ao
menos 20% (vinte por cento) de homens negros e 20% (vinte por
cento) de mulheres negras em todos os níveis de atividade
profissional, especialmente naqueles de melhor qualificação
e melhor remuneração.
§
1º As empresas, firmas e estabelecimentos mencionados comprovarão,
diante do Ministério do Trabalho, anualmente, as medidas
executadas no cumprimento deste artigo.
§
2º As empresas, firmas e estabelecimentos comprovarão,
de cinco em cinco anos, o resultados das medidas compensatórias
executadas, mediante pesquisa estatística do Ministério
do Trabalho que verifique objetivamente a participação
do homem negro e da mulher negras atividades profissionais em
todos os níveis.
§
3º As empresas, firmas e estabelecimentos que não
cumprirem as medidas requeridas pelos § 1º e 2º
deste artigo serão sujeitos a multa de 20% (vinte por cento)
da folha bruta mensal de pagamento ou de 100 MVR (maior valor
de referência), valendo o maior valor.
§
4º As empresas, firmas e estabelecimentos com menos de cinco
empregados estão sujeitos a multa mensal de 50 MVR no caso
de não cumprimento das medidas requeridas pelo § 1º
e 2º deste artigo.
§
5º Haverá um incentivo fiscal calculado na base de
5% (cinco por cento) sobre a folha de pagamento bruta no Imposto
de Renda a ser pago no ano posterior, para as empresas, firmas
e estabelecimentos que comprovem incremento significativo de equilíbrio,
na sua força de trabalho, entre a proporção
de negros nos empregos melhor remunerados e aquela nos empregos
de baixa renda.
Art.
4º Um fundo de 1% (um por cento) dos recursos do FINSOCIAL,
e a totalidade das multas previstas nos § 3º e 4º
do art. 3º, serão destinados ao desenvolvimento de
programas, a cargo do Ministério da Educação
e Cultura em convênio com o Ministério do Trabalho,
de estudo, ensino e aperfeiçoamento técnico das
medidas de ação compensatória. Serão
oferecido às empresas, firmas e estabelecimentos do setor
privado, bem como às administrações das autarquias,
repartições e outras entidades públicas relacionadas
no art. 1º, cursos para administradores das medidas de ação
compensatória previstas.
Art.
5º Todas as empresas, firmas e estabelecimentos, do setor
privado e de economia mista, serão fiscalizados pelo Ministério
do Trabalho afim de comprovar que negros e brancos são
igualmente remunerados por trabalho equivalente em todos os níveis
de emprego.
§
1º A expressão "trabalho equivalente" refere-se
ao conteúdo das responsabilidades e obrigações
envolvidas nos empregos considerados, e não aos títulos
ou denominações dos mesmos.
Art.
6º O DASP e seus similares estaduais e municipais fiscalizarão
as administrações diretas e indiretas do serviço
público, para comprovar que negro e brancos são
igualmente remunerados por trabalho equivalente em todos os níveis
de cargo e funções.
§
1º A expressão "trabalho equivalente" refere-se
ao conteúdo das responsabilidades e obrigações
envolvidas nos empregos considerados, e não aos títulos
ou denominações dos mesmos.
Art.
7º Serão concedidas a estudantes negros bolsas de
estudo em caráter compensatório.
§
1º Serão destinadas a estudantes negro 40% (quarenta
por cento) das bolsas de estudo concedidas pelo Ministério
da Educação e Cultura e pelas Secretarias de Educação
Estaduais e Municipais em todos os níveis (primário,
secundário, superior e de pós-graduação).
§
2º O Ministério das Relações Exteriores
reservará no Instituto Rio Branco 20% (vinte por cento)
de suas vagas para candidatos negros e 20% (vinte por cento)de
suas vagas para candidatas negras.
Art.
8º Ministério da Educação e Cultura,
bem como as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação,
conjuntamente com representantes das entidades negras e com intelectuais
negros comprovadamente engajados no estudo da matérias,
estudarão e implementarão modificações
nos currículos escolares e acadêmicos em todos os
níveis (primário, secundário, superior e
de pós-graduação)m no sentido de:
I
- Incorporar ao conteúdo dos cursos de História
Brasileira o ensino das contribuições positivas
dos africanos e seus descendentes à civilização
brasileira, sua resistência contra a escravidão,
sua organização e ação (a nível
social, econômica e político) através dos
quilombos, sua luta contra o racismo no período pós-abolição;
II
- Incorporar ao conteúdo dos cursos sobre História
Geral o ensino das contribuições positivas das civilizações
africanas, particularmente seus avanços tecnológicos
e culturais antes da invasão européia do continente
africano;
III
- Incorporar ao conteúdo dos cursos optativos de estudos
religiosos o ensino dos conceitos espirituais, filosóficos
e epistemológicos das religiões de origem africana
(candomblé, umbanda, macumba, xangô, tambor de minas,
batuque, etc.);
IV - Eliminar de todos os currículos referencias as africano
como "um povo apto para a escravidão", "submisso"
e outras qualificações pejorativas;
V
- Eliminar a utilização de cartilhas ou livros escolares
que apresentem o negro de forma preconceituosa ou estereotipada;
VI
- Incorporar Material de ensino primário e secundário
a apresentação gráfica da família
negra de maneira que a criança negra venha a se ver, a
si mesma e à sua família, retratadas de maneira
igualmente positiva àquela em que se vê retratada
a criança branca;
VII
- Agregar ao ensino das línguas estrangeiras européias,
em todos os níveis em que estas são ensinadas, o
ensino de línguas africanas (yoruba ou Kriwahili) em regime
opcional;
VIII
- Incentivar e apoiar a criação de Departamentos,
Centro ou Instituto de Estudos e/ou Pesquisas Africanos e Afro-Brasileiros,
como parte integral e normal da estrutura universitária,
particularmente nas universidades federais e estaduais.
§
1º As modificações de currículo aplicar-se-ão,
obrigatoriamente, tanto no ensino público quanto no ensino
particular, em todos os níveis.
§
2º O Ministério da Educação e Cultura,
bem como as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação,
fará públicos relatórios anuais, a partir
de um ano após a entrada em vigor desta legislação,
sobre a implementação dos dispositivos deste artigo,
expondo entre outras informações:
I
- o nome dos responsáveis pela modificação
curricular e a forma de colaboração das entidades
negras e dos intelectuais negros comprovadamente engajados no
estudo da matéria;
II
- os trabalho realizados;
III
- os produtos de trabalho elaborados (i.e., modelos de currículos,
cartilhas, matérias, etc.);
IV
- cronograma de implementação das medidas sugeridas;
V
- indicação das fontes de recursos para implementação
das medidas sugeridas.
Art.
9º As policias civis, federal e estaduais, bem como as policias
militares, estão obrigados a integrar nos seus programas
de treinamento para profissão de policial, cursos de orientação
anti-racista.
Art.
10 - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) fica obrigado a incluir, em todas as pesquisas, estatísticas
e censos demográficos, o quesito cor/raça ou etnia.
Art.
11 - O Ministério do Trabalho fica obrigado a descriminar,
em suas estatísticas de emprego e desemprego, a origem
étnica (cor/raça) nos respectivos índices
apurados.
Art.
12 - A expressão "medidas de ação compensatória"
compreende iniciativas destinadas a aumentar a proporção
de negros em todos os escalões ocupacionais, incluindo,
entre outras:
I
- a preferências pela admissão do candidato negro
quando este demonstra melhores ou as mesmas qualificações
profissionais que o candidato branco;
II
- execução de programas de aprendizagem, treinamento
e aperfeiçoamento técnico para negros, a fim de
aumentar o número de candidatos negros qualificados em
escalões superiores profissionais;
III
- execução de programas de aprendizagem, treinamento
e aperfeiçoamento técnico, qualificado empregados
negros para a promoção funcional;
IV
- reajuste de salários, no sentido de igualar a remuneração
entre negros e brancos para trabalho equivalente;
V
- concessão de bolsas de estudo a estudantes negros a fim
de aumentar sua qualificação profissional;
VI
- assinatura de carteira profissional de empregados negros, nas
mesmas condições e proporções vigorantes
no caso de empregados brancos;
VIII
- outras medidas que venham a ser definidas pelos técnicos
responsáveis dos programas de estudo, ensino e aperfeiçoamento
técnico de medidas de ação compensatória
estabelecidas pelos art. 4º desta lei;
VIII
- outras medidas que venham a efetivar os resultados desejados,
segundo comprovação do Ministério do Trabalho
e conforme os arts. 2º, § 2º e 3º, §
2º desta lei.
Art.
13 - A expressão "negro" compreende todos aqueles
que seriam classificados nas categorias de "pretos"
e de "pardos" segundo critérios utilizados pelo
IBGE no PNAD de 1976 , os quais reconhecem terem sido discriminados
como negros ou terem sido objeto de manifestações
de preconceito de cor.
Art.
14 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art.
15 - Revogam-se as disposições em contrário.
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