Ile Asipa
 Comissão do Negro Memorial ao Escravo Desconhecido
 Conselho para Namibia Racismo Crime de Lesa Humanidade
 Dia de Zumbi Feriado Nacional Rompimento com o Apartheid
 Dia Nacional da Empregada   Doméstica Ação Compensatória



PROJETO DE LEI Nº 3.196 DE 1984
(Do Sr. Abdias do Nascimento)

Reserva quarenta por cento das vagas abertas nos concursos vestibulares do Instituto Rio Branco para candidatos de etnia negra.

(Às Comissões de Constituição e Justiça e de Relações Exteriores.)

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Ficam reservadas 40% (quarenta por cento) das vagas abertas nos concursos vestibulares para ingresso no Instituo Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores, para preenchimento com 20% candidatos e 20% candidatas de etnia negra aprovados no referido concurso.
Art. 2º A inobservância do prescrito no artigo anterior implicará na perda do cargo para os responsáveis.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

Os africanos que vieram para o Brasil, forçados, para o trabalho escravo, bem como seus descendentes, trabalharam por quase cinco séculos construindo este País, ao qual se deram por inteiro, sem ódios, sem ressentimentos, procurando apenas a grandeza nacional.
A Constituição da República, em seu art. 153 § 1º, assegura a todos os brasileiros a igualdade na cidadania e nas oportunidades, nos seguintes termos:

"§ 1º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça."

Este princípio não vem sendo observado, notadamente na formação de nossos diplomatas, onde, pelo que se observa, os descendentes de africanos vêm sendo discriminados, isto é, não têm acesso.
Tal anomalia requer as necessárias medidas concretas para implementar o mencionado direito constitucional de igualdade racial garantido aos negros e às cidadãs negras para o trabalho na carreira diplomática dos quadros do Ministérios das Relações Exteriores.
Por outro lado é inadmissível, nos dias de hoje, que o Brasil, mantendo relações diplomáticas com cerca de cinqüenta países do Contingente Negro, não possua em seus quadros um só diplomata negro, por razões inexplicáveis, a não ser, a vigência do racismo institucionalizado há séculos nesse setor das nossas atividades institucionais.
A presente matéria objetiva, portanto, corrigir a discriminação apontada, reservando quarenta por cento das vagas abertas nos concursos vestibulares do Instituto Rio Branco para candidatos de etnia negra neles aprovados.

Sala das Sessões, 5 de abril de 1984.
(Combate ao Racismo, n. 3)



 
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PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 58-A, DE 1983
Cria a Comissão do Negro; tendo parecer da Comissão de Constituição e Justiça, emitido em audiência, pela inconstitucionalidade.
(Projeto de Resolução nº 58, de 1983, a que se refere o parecer.)

A Câmara dos Deputados resolve:
Art. 1º Fica criada, na forma do art. 30 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Comissão do Negro, composta de 11 membros, com número igual de suplentes
Parágrafo único. Esta Comissão terá vigência até 13 de maio de 1988.
Art. 2º A Comissão do Negro compete opinar sobre todos os assuntos relacionados ao negro. Compete-lhe também, em caráter temporário, receber e investigar denúncias de atentados aos direitos humanos e civis dos brasileiros de ascendência africana. Compete-lhe, ainda, e em colaboração com as demais Comissões da Câmara dos Deputados e com as organizações da comunidade afro-brasileira, propor medidas legislativas atinentes ao resgate da história, respeito à identidade étnica e cultural; interesses da educação, treinamento profissional, emprego, segurança, moradia e saúde das populações negras no Brasil.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

Esta é a década do centenário da abolição da escravatura; este é o momento em que se caminha, no Brasil, para a construção de uma democracia efetiva e orgânica, com a participação de todos os segmentos, classes e estratos sociais. É chegada, portanto, a ocasião de examinarmos os ganhos sócio-econômicos cívicos e culturais dos negros descendentes daqueles africanos escravizados libertos juridicamente a 13 de maio de 1888.

Para melhor penetrarmos e compreendermos a realidade atual é oportuno evocar alguns fatos da nossa história. Primeiramente, lembremos que a construção de um País chamado Brasil coube, quase que exclusivamente, aos africanos escravizados. A tarefa de edificar a estrutura econômica e material deste País continental significou o holocausto de milhões de vidas africanas.

Desde a fundação da colônia do Brasil em 1500 até hoje os africanos e seus descendentes têm sido a maioria da nossa população. O Brasil tem a maior comunidade negra fora da África; é o maior País negro do mundo com a única exceção da Nigéria.

E assim, foi se desenvolvendo o Brasil, o escravo africano criando, produzindo, alimentando toda a riqueza dessa terra enormemente abundante, riqueza que o senhor português e seus descendentes se apropriaram com exclusividade.

Dessa forma, o Brasil se cristalizou numa sociedade onde uma minoria de origem européia tem mantido, através de séculos, o monopólio do poder, do bem-estar material, da educação e do prestígio social. Uma estrutura e uma estratégia de dominação racial tão bem estabelecidas, tão eficazes e poderosas, que têm permanecido inalteradas através de todas as transformações sócio-políticas e econômicas do País. Houve o período da Colônia, de 1500 a 1822; em 1822, se estabeleceu o Império independente do Brasil, que durou até 1889, quando as forças militares proclamaram a República. Para o escravo, porém, estas mudanças nada significaram; de nenhuma forma alteraram a sua situação.

Os negros trouxeram da África a força do seu espírito, das suas instituições sócio-econômicas e políticas, da sua religião, arte e cultura.

O exemplo mais formidável dessa realidade histórica é o da República dos Palmares, um estado africano que resistiu de 1595 a 1696; um século inteiro de luta armada contra as campanhas portuguesas, holandesas e brasileiras de extermínio. Era uma força unida de muitos quilombos, somando mais de 30 mil africanos, vivendo as tradições e a dignidade de seus avós.

Esses africanos, fora da existência convencional da sociedade colonial, praticavam a verdadeira abolição da escravatura, junto com seus irmãos e irmãs. Mas a abolição formal e jurídica da escravidão foi meramente um jogo de interesses econômicos com a Grã-Bretanha. A lei do 13 de maio de 1888, a última em todas as Américas a abolir a escravidão legalizada, somente assegurou a continuação da escravidão de fato. Esta escravatura de fato tomava diversas formas, mas, basicamente se incorporava na expulsão do ex-escravo, a grande maioria do povo brasileiro, do mercado de trabalho chamado "livre". Àqueles que haviam construído o País, e aos seus filhos, foram vedados os mais básicos elementos de subsistência. Milhões de negros foram criminosamente jogados, nas ruas ou nos campos, à fome, à degradação e à morte coletiva.

Seus lugares no mercado de trabalho foram ocupados pelos imigrantes brancos europeus.

A história e a teoria econômica brasileiras, convencionais, escritas por brancos, dirão que estes imigrantes europeus vieram para o Brasil a fim de satisfazer uma necessidade econômica de mão-de-obra. A análise rigorosa científica, porém, e os irrefutáveis documentos históricos da época mostram que o verdadeiro motivo do subsídio oficial a essa onda de imigrantes brancos era o de embranquecer a população. Já que o ex-escravo se tornara cidadão, o Brasil se tornava inegavelmente um País negro; circunstância que a elite dominante branca não podia tolerar. As teorias científicas da época diziam que o negro "permaneceria para sempre como motivo básico da nossa inferioridade como povo". Era necessário acabar com ele. E assim começa o genocídio, nesse século, do povo negro do Brasil, de duas maneiras: através da liquidação física (falta de moradia, desemprego), inanição, doença não atendida, e brutalidade policial; mais sutil é a operação da miscigenação compulsória. Esta política demográfica, pregada, como ideal social pelas camadas dominantes, dita que o cidadão brasileiro atinge os direitos civis e humanos, a ascensão na escala sócio-econômica, enfim, a sobrevivência física e econômica, somente na medida em que ele atinja as características do branco, na cor da pele, nos traços somáticos e no comportamento social, não importando sua competência profissional, seu caráter ou inteligência.

Se um negro pretende que seu filho conquiste oportunidades na sociedade brasileira, ele o intercasará com uma branca (ou ela com um branco), para "melhorar a raça" - tornando-a mais clara.

Até hoje, a lei que regula a política brasileira de imigração dita a preservação dos "mais desejáveis características da nossa ascendência européia". E nas publicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores, o contingente africano é sistematicamente diluído, quando não completamente obliterado, como se constata no volume "Brasil 1966", editado em inglês pelo Itamarati, o qual, sob o item "Características da População", afirma:

"Cor: A maioria da população brasileira é composta de brancos, sendo a porcentagem de pessoas de sangue misto diminuta."

No mesmo volume, na página anterior, sob o tópico "mortes", encontramos a seguinte informação:

"Como conseqüência dos mais baixos padrões de vida e de higiene dos grupos negro e mulato, sua taxa de mortalidade é mais alta que a dos brancos."

Aqui temos, nas palavras do próprio criminoso a consignação da tentativa do crime perfeito. A massiva entrada de imigrantes europeus se aliou uma política sistemática de impor uma compulsão social para miscigenar, embranquecer a população. Ao mesmo tempo, as massas negras foram abandonadas às mais pobres e impossíveis condições de vida, do que resultou uma altíssima taxa de mortalidade. Resultado: uma população progressivamente mais branca, sobretudo nas áreas urbanas do Sul do País. Contudo, a imensa maioria da população brasileira, confinada nas áreas rurais e nas favelas, cortiços, alagados, mocambos e conjuntos residenciais urbanos, continua negra.

O processo do genocídio não se limita apenas à destruição física do negro. Segundo o Dicionário Escolar do Professor, o genocídio consiste também na "recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela... desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, lingüísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos". Este conceito do genocídio, internacionalmente estabelecido através de várias medidas da ONU e da comunidade internacional, aplica-se perfeitamente à situação do povo negro no Brasil. Trazido acorrentado da África, num processo escravista, em que centenas de milhões de vidas humanas foram impiedosamente extinguidas, o africano viu suas línguas e culturas proibidas e exterminadas, num processo de imposição violenta das normas de cultura européia. Esse esmagamento da língua, religião, artes criativas e outras manifestações culturais africanas, tornou-se uma dimensão básica da educação de nossas crianças.

As falsas premissas racistas da "ciência" européia de origem darwinista são bem conhecidas. Definem o africano como organicamente inferior, solapando todo o processo histórico africano pré-colonialista. Roubam aos povos negros o protagonismo de todo seu passado de grandes civilizações, e avanços tecnológicos anteriores à invasão do continente pelos europeus. Negam às suas religiões e sistemas de pensamento qualquer conteúdo filosófico ou epistemológico. Estas premissas eurocentristas são reproduzidas diariamente nas salas de aula de nossas escolas. A criança negra aprende a autodesprezar-se, tanto a si mesma como aos pais e antepassados. Nunca se vê retratada no material didático como ser humano, nem sua família como família humana, com sua própria beleza e protagonismo social, econômico, cultural e histórico. Não há margem de dúvida: o processo de esmagamento, ridicularização, folclorização e comercialização das culturas africanas, sobretudo as religiosas, no Brasil constitui um ato flagrante de genocídio.

O supremacismo branco no Brasil criou instrumentos de dominação racial muito sutis e sofisticados para mascarar esse processo genocida. O mais efetivo deles se constitui no mito da "democracia racial". Aqui temos talvez a mais importante diferença entre os sistemas de dominação anglo-americano e luso (ou hispano) americano. O mito da "democracia racial" mantém uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão violento e tão destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul. E é este racismo que a Comissão do Negro haverá de investigar e combater através do esclarecimento da opinião pública e de propostas legislativas. Não se resolve problemas utilizando-se do método do avestruz: o método de ignorar a realidade concreta metendo a cabeça na areia.

Somente construiremos uma efetiva e democrática igualdade étnica em nosso País, recusando a cumplicidade com a mentira e os falsos valores, e desvelando o rosto da verdade racial que preside nossas relações sociais.

Sala das Sessões, 13 de maio de 1983.

PARECER DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA

I - Relatório

O nobre Deputado Abdias do Nascimento ofereceu o presente projeto de resolução que cria a Comissão do Negro, na forma do art. 30 do Regimento Interno, composta de onze membros titulares e onze suplentes, com vigência até o dia 13 de maio de 1988. A competência da Comissão é amplamente enunciada no art. 2º da proposição.

Na justificativa, o nobre autor lembra que esta é a década do centenário da abolição da escravatura e este é o momento em que se caminha, no Brasil, para a construção de uma democracia efetiva e orgânica, com a participação de todos os segmentos, classes e estratos sociais. É chegada, pois, a ocasião de serem examinados os ganhos sócio-econômicos, cívicos e culturais dos negros, descendentes daqueles africanos escravizados, libertos juridicamente a 13 de maio de 1888.

Merece ser transcrita a parte final da justificativa:

"O supremacismo branco no Brasil criou instrumentos de dominação racial muito sutis e sofisticados para mascarar esse processo genocida. O mais efetivo deles se constitui no mito da "democracia racial". Aqui temos talvez a mais importante diferença entre os sistemas de dominação anglo-americano e luso (ou hispano) americano. O mito da "democracia racial" mantém uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão violento e destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul. E é este racismo que a Comissão do Negro haverá de investigar e combater através do esclarecimento da opinião pública e de propostas legislativas. Não se resolve problemas utilizando-se do método do avestruz: o método de ignorar a realidade concreta metendo a cabeça na areia.

Somente construiremos uma efetiva e democrática igualdade étnica em nosso País, recusando a cumplicidade com a mentira e os falsos valores, e desvelando o rosto da verdade racial que preside nossas relações sociais."

Despachado o projeto à Mesa, o nobre Deputado Paulino Cícero, 1º-Vice-Presidente, foi designado para relatá-lo, tendo S. Exª requerido a audiência desta Comissão de Constituição e Justiça "tendo em vista aspectos de natureza constitucional" referente à matéria.

É o relatório.

II - Voto do Relator

Nos termos regimentais do art. 28, § 4º, cabe a este Órgão Técnico pronunciar-se sobre o pedido de audiência oriundo da Mesa.

A dúvida do nobre Relator prende-se à constitucionalidade ou não, deste projeto de resolução. Ou seja, deseja-se saber se estaria a Câmara dos Deputados, ao criar esta Comissão temporária, obedecendo ao preceito constitucional do art. 153, § 1º, que proclama:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido por lei o preconceito de raça."

A discriminação racial pode ser entendida relativamente a duas facetas: a positiva e a negativa. Tanto a lei pune uma quanto a outra.

Será discriminação positiva aquela que somente exalte ou dedique atenção excepcional a uma raça, enquanto negativa será a que, por ações ou omissões, impeça determinada raça da prática de certos atos.

No caso em tela, estamos diante de uma evidente discriminação positiva, ou seja, pretende-se dotar o Parlamento de uma Comissão temporária destinada, exclusivamente, a examinar problemas e questões que envolvam pessoas da raça negra. Outrossim, pretende-se conferir poderes a essa Comissão para examinar (é dito na proposição: "receber e investigar") denúncias de atentados aos direitos humanos e civis dos brasileiros de ascendência africana. Aí uma dupla discriminação: uma contra os das demais raças, por não estarem contempladas; outra, com os próprios africanos, eis que se pretende apenas apurar delitos contra os brasileiros de ascendência africana. Ora, a Constituição brasileira garante aos nacionais e aos estrangeiros aqui radicados os mesmos direitos.

Face ao exposto, manifesto-me pela inconstitucionalidade do Projeto de Resolução nº 58/83.

III - Parecer da Comissão

A Comissão de Constituição e Justiça, em reunião plenária realizada hoje, opinou unanimemente pela inconstitucionalidade do Projeto de Resolução nº 58/83, nos termos do parecer do relator.

Estiveram presentes os Senhores Deputados: Bonifácio de Andrada, Presidente; Brabo de Carvalho, Vice-Presidente; Júlio Martins, Valmor Giavarina, Gomes da Silva, Jorge Medauar, Osvaldo Melo, Nilson Gibson, Hamilton Xavier, José Tavares, Wagner Lago, Gerson Peres, Plínio Martins, Elquisson Soares, Guido Moesch, Mário Assad, Rondon Pacheco, Arnaldo Maciel, Egídio Ferreira Lima, José Carlos Fonseca, Theodorico Ferraço, Jorge Arbage, Darcílio Ayres e Jairo Magalhães.

Sala da Comissão, 14 de junho de 1983.
Bonifácio de Andrada, Presidente
Nilson Gibson, Relator.

(Combate ao Racismo, n. 1)




 
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Indicação nº 17, de 1985

Sugere a manifestação da Comissão de Relações Exteriores sobre oportunidade da realização no Brasil de um Seminário Regional do Conselho das Nações Unidas para Namíbia ou de uma reunião do referido Conselho em nosso País.

Nos termos regimentais, solicito que a Comissão de Relações Exteriores se manifeste sobre a conveniência e a oportunidade do Governo brasileiro hospedar, em 1986, um seminário Regional promovido pelo Conselho das Nações Unidas para Namíbia, ou uma reunião do referido Conselho em nosso País.

Justificação

O regime racista do apartheid, condenado pela opinião pública internacional como crime contra a humanidade, tem como uma das suas expressões mais cruéis e ofensivas ao mundo civilizado a ocupação ilegal da Namíbia. Esse território, riquíssimo em recursos minerais (inclusive urânio), tem sido explorado de forma brutal pela África do Sul, que se recusa a retirar suas tropas de ocupação, numa atitude de flagrante violação do direito internacional expresso nas repetidas decisões do Conselho de Segurança da ONU e do Tribunal Internacional de Justiça.

A questão da Namíbia constitui um eixo principal na resolução dos conflitos e da instabilidade regional que aflige a África meridional devido à presença do regime racista e suas agressões contra as populações negras ao redor e dentro de suas fronteiras. Essa situação de instabilidade torna a região um dos focos mais perigosos de potencial conflito internacional no mundo de hoje. Entretanto, o assunto da Namíbia é pouco conhecido no Brasil devido, em grande parte, aos interesses econômicos sul-africanos presentes em nosso País em conseqüência da manutenção de relações diplomáticas e comerciais com aquele regime genocida, cuja embaixada e consulados no Brasil disseminam à vontade a propaganda do regime. O lobby sul-africano, com seu poder econômico e suas relações estreitas com os meios de comunicação de massa, praticamente afastam a possibilidade do público brasileiro obter informações sobre a real situação da Namíbia.

O Brasil da Nova República, através do Presidente José Sarney e de outros representantes tem manifestado o compromisso de atender as reivindicações da comunidade negra, entre as quais figura a verdadeira recusa ao apartheid e o apoio às iniciativas da ONU no sentido de implementar a Resolução nº 435 (1978) do Conselho de Segurança. O Ministro de Relações Exteriores, Olavo Setúbal, já declarou através da imprensa a condenação do Brasil ao regime apartheista. Nas palavras do próprio Presidente José Sarney em Uberaba, o Brasil

... jamais poderia tolerar, de qualquer maneira, a discriminação racial que é, para resumir numa só palavra, desumana, isto é, não é uma política feita para a humanidade.

O Conselho das Nações Unidas para Namíbia é a autoridade legal constituída diante do direito internacional, reconhecida pelo Tribunal Internacional de Justiça, pelo Conselho de Segurança da ONU e pela comunidade internacional, para conduzir a administração do território namibiano até a sua independência. O Conselho vem realizando seus trabalhos nesse sentido desde 1966. Entre suas atividades está a realização de seminários e reuniões regionais e internacionais com o objetivo de informar e mobilizar a opinião pública mundial sobre urgência da situação namibiana, definindo estratégias de ação para alcançar a independência do território, de acordo com os princípios da ordem e da legalidade. Tais seminários e reuniões têm acontecido em vários países da América Latina, inclusive em Costa Rica, onde este deputado esteve presente em 1983, e em Guyana, onde vai ser realizado um evento do Conselho em agosto vindouro. Entretanto, o Brasil nunca se ofereceu para hospedar um evento dessa natureza, deixando as autoridades da ONU sobre a questão namibiana sem nenhum indício do apoio do nosso País às suas iniciativas.

Um passo concreto que o Brasil poderia dar no sentido de demonstrar sua posição anti-apartheid, ultrapassando as declarações verbais que pouco significam, seriam manifestar, ao Conselho da ONU para Namíbia, seu interesse de que seu próximo Seminário Regional (1986) ou reunião plenária, fosse realizado no Brasil. Além de marcar real postura da Nação brasileira em torno da questão do domínio assassino do apartheid sobre esse sofrido povo namibiano, a iniciativa ensejaria uma oportunidade para que a população brasileira viesse a conhecer algumas informações sobre a realidade do apartheid existente na África do Sul e em Namíbia.

Brasília, 5 de junho de 1985.
Abdias Nascimento

(Combate ao Racismo, n. 5)





 
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PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 1.550, DE 1983
Declara feriado nacional o dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, e Dia Nacional da Consciência Negra, já celebrado pela comunidade afro-brasileira.

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, Dia Nacional da Consciência Negra, é declarado feriado nacional, devendo ser comemorado em todo o território do País.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

O dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi, marca o fecho de um episódio da maior significação na História do nosso País: a epopéia da República dos Palmares. Entretanto, por ter sido episódio liderado e organizado por africanos rebelados contra as torturas e a desumanização do escravismo, nutrido pela cupidez do supremacismo branco europeu, a sociedade convencional brasileira tem por norma subestimar sua significação sócio-política e sua fundamental presença em nossa História como o símbolo mais eminente de luta pela liberdade. Então, esse extraordinário evento histórico é diminuído à estatura de apenas "mais um reduto de escravos fugidos".

Os quilombos nunca foram apenas redutos de escravos fugidos: constituíram uma antecipação do protagonismo do povo brasileiro em sua luta por independência, igualdade e democracia. O máximo exemplo deste ideal da Nação brasileira está inscrito com o sangue dos construtores e defensores da República dos Palmares, a primeira e única experiência de verdadeira liberdade, harmonia étnica e igualitarismo econômico-social registrado nos fastos da História do Brasil. Um conjunto de quilombos integrados, organicamente, naquela República libertária,+- Palmares reunia uma população de mais de 30.000 habitantes (negros, índios e brancos), e resistiu através de um século inteiro às guerras desencadeadas pelas forças armadas do colonialismo. Em contraste com a economia mercantil da colônia do Brasil, Palmares tinha uma produção agrícola desenvolvida segundo o princípio da diversificação. Se a Nação brasileira tivesse seguido o seu exemplo, não estaríamos até hoje tentando corrigir as distorções econômicas de dependência herdadas da política colonial da monocultura para exportação. Se tivéssemos seguido o exemplo político da democracia praticada segundo as tradições africanas e indígenas na República dos Palmares, não estaríamos até hoje nos esforçando para construir uma estrutura de poder com alguma semelhança à democracia. Assimilada a lição de convivência interétnica praticada na República dos Palmares, o Brasil não se apresentaria hoje como um reduto da discriminação, no qual o negro e o índio sofrem as humilhações e a marginalização impostas pela dominação racista herdada do colonialismo europeu.

Zumbi, o último dos líderes democraticamente eleitos pelos quilombolas da República dos Palmares, tombou em pleno combate, lutando contra as forças opressoras do escravagismo colonial, em vinte de novembro de mil seiscentos e noventa e cinco. Esta data vem sendo comemorada pela comunidade negra e por patriotas de todas as origens raciais há vários anos. A primeira Missa dos Quilombos foi rezada a 20 de novembro de 1981, na serra da Barriga, local alagoano onde a república existiu, por Dom José Maria Pires e Dom Pedro Casaldáliga, com a participação de uma multidão de milhares de pessoas. Por iniciativa de entidades afro-brasileiras do Rio Grande do Sul, a reivindicação da instituição do Dia Nacional da Consciência Negra como Feriado Nacional constitui um objetivo em torno do qual está unida toda a ampla gama de entidades e organizações da comunidade negra, entre as quais citamos o Memorial Zumbi, o Movimento Negro Unificado, o Congresso de Cultura Negra das Américas e todos os Centros e Institutos de Estudos e Pesquisas de Cultura Negra e Afro-Brasileiras espalhados pelo país.

Entretanto, é oportuno sublinhar, o dia 20 de novembro não é uma data de interesse exclusivo da comunidade afro-brasileira. Muito pelo contrário, ela transcende o âmbito da comunidade afro-brasileira, já que o 20 de novembro é de suprema importância para toda a Nação brasiliera, como data histórica nacional e símbolo da doação heróica da vida em penhor e amor à liberdade do ser humano em terras brasileiras, que recusa toda e qualquer forma de escravidão.

Apresentamos, a seguir, uma lista parcial das entidades e organizações da comunidade afro-brasileira que têm manifestado seu apoio à proposta de comemoração do 20 de novembro como Feriado Nacional, através de sua participação nas atividades do Memorial Zumbi:

SÃO PAULO:

Centro de Cultura Afro-Brasileira - CONGADA
Fundação Sócio-Cultural e Assistencial
Afro-Brasileira - PUSOCAAB
Grupo Negro de Piracicaba
Grupo de Divulgação de Arte e Cultura
Movimento Negro Unificado
Centro de Cultura Afro-Brasileira - CECAN
Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas - IBEA
Sociedade de Promoção Social
Centro de Estudos Africanos
Clube Cultural Recreativo
Sociedade Recreativa José do Patrocínio
Escola de Samba Imperial
Escola de Samba X-9
Escola de Samba Paulistano da Glória
Sociedade Acadêmica A. do Samba
Sociedade Beneficente Recreativa Estrela D´Oriente
Sociedade Beneficente Recreativa 28 de Setembro
GRE de Samba Nenê de Vila Matilde
GRES Cabeções de Vila Prudente
Sociedade Recreativa e Cultural Icaraí
Sociedade 13 de Maio de Piracicaba
Tenda Espírita de Candomblé Cabana Eruiá
UESP - União das Escolas de Samba de São Paulo
Grupo Teatro Evolução - GTE
GRC Filhotes da X-9
GRC Império do Cambuci
GRES Mocidade Camisa Verde e Branco
Centro de Cultura Afro-Brasileira
Federação Paulista de Cines-Clube
Liga dos Homens de Cor
Mesquita Muçulmana Afro-Brasileira
GRC Escola de Samba Vai-Vai
Grupo Coral e Artístico Origerança
Grupo Negro da PUC
Movimento Sócio-Cultural da Comunidade Negra de São José dos Campos
Afrochambier
Casa da Cultura Afro-Brasileira
Centro Cultural e Recreativo Itamarati
Centro Social Cultural Recreativo e Beneficente
Escola de Samba Flor de Vila Dalila

ALAGOAS:
Associação Cultural Zumbi

AMAZONAS:
Movimento Alma Negra - MOAN

BAHIA:
Grupo Adê Dudu
Mallet ACN
Sociedade de Pesquisa Mallet - Arte e Cultura Negra
Bloco Orunmilá
Bloco Afro Male de Balê
Afoxé Olorum Baba-Mi
Sociedade Beneficente e Recreativa S. Jorge do Engenho Velho
Bloco Ilê Aiyê

CEARÁ:
Movimento Negro contra a Discriminação Racial

DISTRITO FEDERAL:
Centro de Estudos Afro-Brasileiros - CEAB
Sociedade Esportiva "Bola Negra"
Movimento Negro Unificado - MNU - DF

GOIÁS:
Movimento Negro de Goiânia

MARANHÃO:
Centro de Cultura Negra do Maranhão - CCN
Comunidade Jesuíta
Universidade Federal de São Luís

MINAS GERAIS:
Chico Rei Clube
União Negra Artística e Cultural - UNAC
Clube União de Araxá
MNU de Viçosa
Concórdia Clube
Elite Clube de Uberaba
Jornal Objetivo
Grupo Senzala, União e Consciência Negra

PARÁ:
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - CEDENPA

PARANÁ:
Sociedade 13 de Maio

PERNAMBUCO:
Movimento Negro Unificado - PE
Centro de Cultura Afro-Brasileira

RIO DE JANEIRO:
Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro
Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda
Quintal Suburbano
Centro de Estudos Brasil-África
Centro de Estudos e Pesquisa da Cultura
Rádio MEC - Programa Origens
Departamento Geral de Cultura
Movimento Brasileiro Anti-Apartheid
Centro de Estudos Afro-Asiáticos - CEAA
Centro de Informação da ONU
Grêmio Rec. Escola de Samba Fio de Ouro
Irmandade de N. Sra. Do Rosário e S. Benedito dos Homens Pretos
Granes - Escola de Samba Quilombo
Instituto de Pesquisa de Culturas Negras - IPCN
Secretaria do Movimento Negro do PDT - RJ
Renascença Clube
Olorum Baba-Min
Grupo Afro Agbara Dudu
Grêmio Recreativo Afro Axé Tere Babá
Grupo Afro Aiyê Dudu

RIO GRANDE DO SUL:
Fundação Leopoldo Senghor
Grupo Tição
Centro Cívico Cultural "Joaquim Messias da Silva"

SANTA CATARINA:
Sociedade Recreativa Álvaro Gatão
Sociedade Recreativa Capalóide
Sociedade União Mineira
Grupo Afro-Brasileiro
Grupo Afro-Brasileiro de Camboriú
Grupo Afro-Brasileiro de Criciúma
Grupo Afro-Brasileiro de Florianópolis
Grupo Afro-Brasileiro de Itajaí
Grupo Afro-Brasileiro de Jaraguá
Grupo Afro-Brasileiro de Tubarão

SÃO PAULO:
Ébano Atlético Clube
Grêmio Recreativo Beneficente Familiar 13 de Maio
GRCE Benef. E Fac. Samba Barroca Zona Sul
Centro Comunitário de Cultura Negra - CECUNE
Aristocrata Clube
ACABAB - Associação Casa de Arte e Cultura
Movimento Negro-Pastoral Universitário
Clube José do Patrocínio
Comunidade Negra da Freguesia do Ó
Sociedade Recreativa
Movimento Negro de Araraquara

Sala das Sessões, 23 de junho de 1983

(Combate ao Racismo, n. 1)

 


 
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Projeto de Lei nº 5.466, de 1985

Institui o "Dia Nacional da Empregada Doméstica", a ser comemorado anualmente a 27 de abril.

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica instituída a data de 27 de abril como o "Dia Nacional da Empregada Doméstica".
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação

A empregada doméstica constitui um dos alicerces mais importantes da nossa economia e sociedade. Cuidando dos trabalhos necessários à manutenção da casa ela permite que os patrões, tanto o homem quanto a mulher, donos da casa, possam ficar liberados para outras atividades produtivas. Suas funções (da doméstica) estão entre as mais básicas para o bom funcionamento da vida em sociedade.

Ao mesmo tempo, entretanto, devido aos preconceitos e atitudes e classe ainda remanescentes da sociedade escravagista e racista colonial, a categoria da empregada doméstica continua sendo uma das mais subestimadas, e o valor de seu trabalho o menos reconhecido, em toda a população operária. Explorada em seu trabalho, à margem da legislação trabalhista, e carente de direitos definidos, a empregada ainda sofre humilhações oriundas do estigma da escravidão. Na sua grande maioria constituída de mulheres negras, a classe sofre o peso do racismo brasileiro, sendo objeto de um elenco, grande e variado, de restrições ao seu movimento, de acusações injustas e de agressões. A imprensa registra freqüentemente as arbitrariedades de condomínios e de outras autoridades contra as empregadas.

Desde 1945, quando no Teatro Experimental do Negro (TEM) se fundou a Associação de Empregadas Domésticas, numa iniciativa de membros das classes participantes do TEM, com o objetivo de conscientizar e defender a classe, as empregadas vêm tentando conquistar maior reconhecimento, respeito e definição de direitos trabalhistas. No I Congresso do Negro Brasileiro (Rio, 1950), a principal reivindicação apresentada pelas representantes da classe foi a da inserção da doméstica na legislação trabalhista. Até hoje, entretanto, a classe continua na tentativa de conquistar esses direitos fundamentais, pois a sociedade brasileira continua surda ao apelo dessa coletividade sofrida, que tanto contribui para o bom andamento da nossa vida coletiva.

A Associação de Empregadas Domésticas, organizada desde 1962 no Rio de Janeiro e em muitos outros Estados da União, vem amadurecendo cada vez mais sua atuação em favor da classe. Tendo realizado vários encontros e assembléias a nível estadual e nacional, essa organização vem reivindicando junto ao Poder Legislativo da Nação um justo tratamento dentro das leis, sobretudo aquelas referentes aos direitos trabalhistas.

O presente projeto de lei concretiza uma das reivindicações expressas pelas empregadas em várias ocasiões, reuniões e assembléias, e constitui um primeiro passo no sentido de homenagear a empregada doméstica, articulando na forma de um dia dedicado a ela a dignidade e a fundamental importância de sua contribuição para nossa vida em sociedade. O dia 27 de abril já é o "Dia da Empregada Doméstica" no estado do Rio de Janeiro, e sua instituição a nível nacional representa uma justa homenagem da sociedade brasileira às empregadas domésticas em todo o País.

Nesta época de redemocratização e de definição das preocupações sociais da Nova República, o Congresso Nacional não poderia deixar de atender às justas ansiedades e aspirações dessa classe, que representa um segmento tão injustamente alijado das preocupações e dos processos nacionais. A verdadeira democracia passa obrigatoriamente pela participação e defesa dos direitos dessa categoria de trabalho explorada e humilhada, apesar de sua fundamental importância para o sistema produtivo da Nação.

Sala das Sessões, 9 de maio de 1985
Abdias Nascimento.
(Combate ao Racismo, n. 5)



 
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PROJETO DE LEI Nº 3.765 DE 1984
(Do Sr. Abdias Nascimento)


Declara de utilidade pública a sociedade ILE ASIPÁ, sediada em Salvador - Bahia.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É declarada de utilidade pública a sociedade cultural e religiosa ILE ASIPÁ, sediada em Salvador, Estado da Bahia.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A sociedade ILE ASIPÁ, de fins religioso e cultural, está localizada no município de Salvador, estado da Bahia. Trata-se de uma organização preocupada com a preservação da herança litúrgica deixada pelos antepassados africanos que para aqui vieram durante a escravidão, ligados pelo axé da família Asipá.
É do conhecimento dos estudiosos dos nossos problemas históricos e sócio-antropológicos que o processo do sistema escravista no Brasil, e também o período pós-abolição, não favorecem a continuidade das estruturas culturais oriundas da África. As várias línguas africanas, por exemplo, que durante séculos eram faladas entre a população de origem africana, aos poucos foram desaparecendo sob a pressão da intolerância do sistema de ensino e das instituições culturais das classes dominantes. Atualmente há um grande esforço de parte tanto dos próprios descendentes africanos como de instituições convencionais e pessoas de outras origens étnicas-raciais, no sentido de resgatar do esmagamento total parte desse acervo cultural em vias de se perder definitivamente.
Nesse contexto se insere os esforços da sociedade Asipá, cuja liderança está nas mãos do mais renomado e competente portador e criador de cultura africana em nosso país: o mestre Deoscóredes M. dos Santos, popularmente conhecido como Mestre Didi.
Sacerdote, escritor, escultor e educador, Mestre Didi se propõe, junto a seus companheiros da sociedade Ile Asipá, a desenvolver um trabalho espiritual e social de enorme relevância para a comunidade afro-baiana e afro-brasileira. Por esse meio, recuperando a história e os valores cultuais e religiosos do povo afro-brasileiro e do povo brasileiro em geral.
A sociedade Ile Asipá não tem objetivos de lucro, nem seus dirigentes e associados auferem quaisquer remuneração, salário ou rendimento.
A Asipá, fundada em 1980, vem cumprindo desinteressadamente seu programa de assistência cultural e espiritual à comunidade.
A sociedade Ile Asipá tem personalidade jurídica, e atende expressamente a todas as exigências legais para obter o reconhecimento de utilidade pública. Inclusive, pelo Projeto de Lei nº 5.754/84 do Deputado Jorge Hage, (Diário Oficial de 28/03/84), a Assembléia Legislativa da Bahia está prestes a conceder a utilidade pública estadual à Asipá.
Preenchendo assim todos os requisitos legais (Lei nº 91, de 28/08/35; Decreto nº 50.517, de 02/05/61; Lei nº 6.639, de 8 de maio de 1979), impõe-se, a nosso juízo, a Declaração de Utilidade Pública da Sociedade Ile Asipá, com sede e foro em Salvador-Bahia.
Brasília, 18 de junho de 1989.
Deputado Abdias Nascimento
PDT - RJ
Sala das Sessões, 18 de junho de 1984.
(Combate ao Racismo, n. 3)


 
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PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº 1.361, DE 1983
Manda erigir Memorial ao Escravo Desconhecido, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, Distrito Federal.

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Será erigido na Praça dos Três Poderes, ou em outro local central equivalente, em Brasília, Distrito Federal, no prazo máximo de 3 (três) anos, Memorial ao Escravo Desconhecido.
Art. 2º O Memorial previsto nesta Lei será construído de conformidade com projeto arquitetônico escolhido em concurso público nacional, a ser realizado entre arquitetos brasileiros, no prazo de 6 (seis) meses.
Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

A Praça dos Três Poderes reflete o poder do povo brasileiro, a nível de nação.

Ninguém contesta ou argumenta contra a verdade histórica de que o africano escravizado constitui o elemento básico de edificação da nacionalidade, a força de trabalho e a força de espírito forjadoras de nossas estrutura sócio-econômico-culturais, forças estas que, imprimiram a especificidade do caráter nacional.

Quem melhor que o "Escravo Desconhecido" para simbolizar a epopéia de construção desse colosso chamado Brasil, no esforço anônimo de milhares e milhares de africanos, durante vários séculos, através de sucessivas gerações?

Esta reivindicação constitui um dos pontos principais dos movimentos negros e afro-brasileiros que hoje estão, em todos os rinções do território nacional, lutando pelo resgate de sua história, de sua identidade, de sua dignidade humana, de suas liberdades fundamentais e de seus valores de origem africana.

Esta a matéria que submetemos à elevada deliberação dos eminentes representantes do povo no Congresso Nacional, de quem esperamos encontrar a indispensável receptividade, porquanto confiamos no espírito de justiça social e cívica para com aqueles que tanto sofreram e tanto doaram de si mesmos, para que nós hoje pudéssemos desfrutar das riquezas e das bênçãos deste País.

Sala das Sessões, 8 de junho de 1983.
(Combate ao Racismo, n. 1)


 
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PROJETO DE LEI Nº 1.661, DE 1983
Dispõe sobre o crime de lesa-humanidade: discriminar pessoas, individual ou coletivamente, em razão de cor, raça ou etnia.

A Câmara dos Deputados resolve:
Art. 1º Constitui crime de lesa-humanidade, punido nos termos desta Lei, discriminar pessoas, individual ou coletivamente, em razão de cor, raça ou etnia.

§ 1º Compreende-se por "discriminar em razão de cor, raça ou etnia" a prática de quaisquer atos ou omissões que, de maneira explícita, dissimulada ou empírica, dispensem tratamento diferenciado, ofendendo-as ou causando-lhes prejuízos materiais ou morais, a pessoas pertencentes a grupos humanos historicamente sujeitos à identificação segundo critérios raciais, étnicos ou de cor epidérmica.

§ 2º Não constitui discriminação, nos termos desta Lei, a aplicação, a pessoas ou a grupos raciais, étnicos ou de cor historicamente escravizados, oprimidos ou discriminados como tal, de medidas compensatórias visando à implementação do princípio constitucional da igualdade racial.

§ 3º É desnecessária a comprovação de declarações explícitas, intenções, opiniões ou atitudes subjetivas do responsável ou responsáveis pela discriminação alegada, para estabelecer, diante da Justiça, o ato ou omissão discriminatório; será bastante a comprovação dos elementos da definição do crime contida no § 1º deste artigo.

§ 4º A responsabilidade criminal será de pessoa jurídica: a) quando a discriminação for praticada por seu agente, representante, membro ou funcionário de qualquer nível, quando este esteja representando a pessoa jurídica ou exercendo suas funções ou atribuições junto à mesma; ou b) quando a discriminação for de natureza empírica.

§ 5º Compreende-se por discriminação de natureza empírica aquela que consiste em dispensar o tratamento envolvido a pessoas pertencentes ao grupo definido: a) em proporção menor do que sua proporção na população brasileira segundo o último censo do IBGE, caso o tratamento seja considerado benéfico (a exemplo de concessão de emprego ou admissão como membro de uma associação, não limitando-se a estes exemplos); b) em proporção maior do que a referida, caso o tratamento seja considerado prejudicial (exclusão ou demissão em empregos ou sociedades, não limitando-se a estes exemplos); ou c) em proporção significativamente inferior, estatisticamente, à proporção em que o tratamento é dispensado ao restante da população, caso o tratamento seja considerado benéfico; d) em proporção significativamente superior à referida, estatisticamente, caso o tratamento seja considerado prejudicial.

PENA: Se o responsável pelo crime for indivíduo (pessoa física), reclusão de 6 (seis) a 15 (quinze) anos e multa de 20 (vinte) salários mínimos, levando-se em conta o valor do maior salário mínimo vigente em território nacional;

Se o responsável for pessoa jurídica, reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, para a pessoa que diretamente executou a discriminação e de 6 (seis) a 20 (anos), para o representante legal ou pessoa juridicamente responsável pela instituição ou entidade responsável pelo crime; e multa a ser paga pela pessoa jurídica como tal, de: 1. Para: a) pessoa jurídica sem finalidade de lucro, sociedade civil ou b) empresa, firma ou estabelecimento de comércio, indústria, serviços, mercado financeiro ou do setor agropecuário, como menos de 10 (dez) funcionários: 50 MVR (maior valor de referência), ou 20% da folha bruta mensal de pagamento (caso tenha), valendo o maior valor; 2. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou (b) do número 1, com 10 a 200 funcionários: 35% da folha bruta mensal de pagamento ou 100 MVR, valendo o maior valor; 3. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou (b) do número 1 acima, com mais de 200 funcionários: 40% da folha bruta mensal de pagamento ou 200 MVR, valendo o maior valor.

Art. 2º Subestimar, estereotipar ou degradar grupos étnicos, raciais ou de cor ou pessoas pertencentes aos mesmos por meio de palavras, imagens ou representações, através de quaisquer meios de comunicação.

PENA: Quando o responsável pelo crime for indivíduo (pessoa física), detenção de 2 (dois) a 8 (oito) a nos e multa de quinze salários mínimos no valor maior vigente no território nacional; se o responsável for pessoa jurídica, prisão simples de 2 (dois) a 8 (oito) anos para o autor direto do crime, e de 4 (quatro) a 12 (doze) anos para o responsável legal pela instituição ou entidade; e multa, a ser paga pela pessoa jurídica como tal, de: 1. Para: a) pessoa jurídica sem finalidades de lucro, sociedade civil ou b) empresa, firma ou estabelecimento de comércio, indústria, serviços, mercado financeiro ou do setor agropecuário, com menos de 10 (dez) funcionários. 50 MVR (maior valor de referência), ou 20% da folha bruta mensal de pagamento (caso tenha), valendo o maior valor; 2. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou (b) do número 1, com 10 (dez) a 200 (duzentos) funcionários: 35% da folha bruta mensal de pagamento ou 100 MVR, valendo o maior valor; 3. Para pessoa jurídica enumerada no item (a) ou (b) do nº 1 acima, com mais de 200 funcionários: 40% da folha bruta mensal de pagamento ou 200 MVR, valendo o maior valor.

Art. 3º Os crimes nesta Lei terão suas penas aumentadas:
I - a pena será duplicada:
a) se a vítima for menor ou tiver diminuída sua capacidade física, psicológica ou de entendimento;
b) se o crime for praticado na seleção de candidatos a emprego ou cargo público;
c) se o crime for praticado por funcionário público no exercício de suas funções;
d) se o crime for praticado por empregado ou professor de estabelecimento de ensino no exercício de suas funções.
II - Nos casos de reincidência a pena será aumentada de dois terços.

Art. 4º O processo referente aos crimes previstos nesta lei obedecerá o rito sumário.

Art. 5º Revoga-se a Lei nº 1.390/51 e outras disposições em contrário.

Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação

A comunidade afro-brasileira vem clamando, há anos, pela revogação da chamada Lei Afonso Arinos, ou seja, a Lei nº 1.390/51, e a sua substituição por um dispositivo legal que realmente puna, como determina o art. 153, § 1º, da Constituição Brasileira, o preconceito e a discriminação de cor e de raça. O presente projeto de lei, definindo essa discriminação como crime contra a humanidade, como anteriormente foram definidos o anti-judaísmo nazista e o apartheid da África do Sul, não é apenas de um deputado, mas de toda a comunidade negra brasileira, cujos membros e porta-vozes estão unanimemente de acordo quanto à ineficácia da chamada Lei Afonso Arinos. A primeira razão é de uma simplicidade elementar: a existência da referida lei de nenhuma forma, desde qualquer perspectiva, foi eficaz para diminuir a prática do racismo em nosso País. Diariamente, deparamos com fatos de discriminação e preconceito racial que nunca chegam à Justiça ou cujos processos são arquivados sob um ou outro pretexto ou subterfúgio jurídico.

Tal situação chega ao extremo nos casos em que as vítimas da discriminação, quando conseguem chegar até à barra da justiça com sua queixa-crime contra os discriminadores, são ameaçadas de serem acusadas e processadas, por crime de calúnia.(1)

Entre muitos negros que vêm se pronunciado sobre a Lei Afonso Arinos, está o professor universitário, pesquisador e integrante da frente Negra para Ação Política de Oposição (FRENAPO), Hélio Santos, que comentou há um ano em artigo publicado na Revista Veja: (2)

"As denúncias de atitudes racistas, particularmente na década de 70, foram importantes para o despertar da comoção letárgica a que muitos estavam submetidos pela tese da "democracia racial" divulgada interna e externamente, mas que não resiste à menor análise: a comunidade científica já a rejeitou há algum tempo, e a sociedade brasileira como um todo nela não crê, pois não a vive em seu cotidiano. Pelo contrário, o que se observa é uma discriminação racial eficaz e sofisticada que, justamente por se apresentar com 1.000 caras, sempre escapou ilesa das tentativas de combate frontal.

Brandir a "Lei Afonso Arinos", que considera o racismo contravenção (e não crime, como crêem muitos), é um expediente que a pequena classe média negra já abandonou - mesmo porque em mais de trinta anos de existência (a lei é de 1951), não conseguiu condenar um racista sequer. Na verdade, a "Lei Afonso Arinos" não atende à nossa realidade racial por ser absolutamente inadaptada às circunstâncias em que ocorre a discriminação no Brasil. Como determinar, por exemplo, com a certeza que a justiça pede, que houve discriminação racial na admissão a uma vaga de emprego em uma empresa? Esta poderá simplesmente alegar que o postulante não possui os requisitos técnicos exigidos para o cargo.

A comunidade negra prepara-se para a montagem de um cerco eficiente a todo esse cipoal de dificuldades colocado em seu caminho e, para tanto, há de contar com três suportes fundamentais: os meios de comunicação, a fim de restaurar a imagem do negro, tão combalida e deturpada; uma legislação que considere o caráter atípico do racismo brasileiro e puna os responsáveis, como determina a Constituição; e, finalmente, a organização da população negra a partir do fortalecimento das entidades negras e tendo como referência centros comunitários que de forma estratégica devem distribuir-se regionalmente."

A mobilização da comunidade negra, através de suas entidades representativas, constitui um fato relevante da história contemporânea, provocado exatamente pelo estrondoso fracasso da Lei nº 1.390/51, e da própria salvaguarda da Constituição, no sentido de impedir que o racismo e a discriminação racial se constituíssem em fatos permanentes na vida cotidiana afro-brasileira. Desde a década dos 20, a imprensa negra conclama a comunidade à resistência contra a discriminação. Na década dos 30 tivemos a Frente Negra Brasileira, movimento popular de massa, ocupando as ruas em passeatas e atos públicos contra o racismo. Na década dos 40 e 50 houve a Convenção Nacional do Negro, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, o Teatro Experimental do negro, o 1º Congresso do Negro Brasileiro. E nos últimos 15 anos constatamos a proliferação em toda a extensão territorial, de centenas de entidades negras, cuja revolta conta o racismo se concretizou em manifestações massivas, unindo toda essa gama de organizações afro-brasileiras. Dois exemplos constituem o ato público de 7 de julho de 1978 (SP), que deu à luz o Movimento Negro Unificado; e o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas (SP 1982), e prosseguindo o movimento que reúne militantes, intelectuais e protagonistas culturais de toda a diáspora africana neste chamado Novo Mundo.

O presente projeto de lei tem como objetivo cumprir a segunda exigência da comunidade negra, de uma lei que realmente puna o racismo e a discriminação racial.

Apresentamos, a seguir, a justificação jurídica e social detalhada desta exigência, enunciada há dois anos através da voz uníssona e coletiva da comunidade afro-brasileira, reunida em São Paulo na 2ª Semana Brasileira de Cultura Negra:

RELATÓRIO DA 2ª SEMANA BRASILEIRA DE CULTURA
NEGRA SOBRE A LEI AFONSO ARINOS

Conforme resolução tomada pela comunidade afro-brasileira no "Fórum de Debates", realizado durante a "II Semana Brasileira de Cultura Negra", na Câmara Municipal de São Paulo (14 a 23 de novembro de 1980), onde foi exaustivamente debatida a Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, conhecida por Lei Afonso Arinos, os partícipes em assembléia elegeram, entre os presentes, uma Comissão de Trabalho (3), com o objetivo de criar um anteprojeto de lei contra a discriminação racial, em substituição à lei vigente.

Devido à função tão importante desempenhada pelas Associações Negras em defesa de nossa Comunidade, o Plenário considerou indispensável a união de todas as entidades afro-brasileiras no País, na elaboração deste anteprojeto, sugerindo, inclusive, a ampliação do debate deste problema no seio das diversas associações.

Elaborada na fase após guerra, quando o nazifascismo racista havia sido derrotado, a Lei nº 1.390/51 foi uma resposta do Brasil às potências estrangeiras que, a par das alterações, apresentavam graves conflitos raciais internos. O Brasil, na época chamado "subdesenvolvido", respondia às críticas das nações desenvolvidas, apresentando-se como sendo País sem problemas raciais, ou seja, uma "democracia racial".

Todavia, na mesma época, devido ao incremento dado à industrialização, ao advento dos cursos noturnos, profissionalizantes, bem como à obrigatoriedade de concurso público para a admissão ao funcionalismo, aconteceu que o negro, que desde a abolição era preterido no mercado de trabalho, finalmente iniciou, com décadas de atraso, sua competição com o imigrante europeu e seus descendentes.

Nesse momento, o racismo vem à tona com todo o furor e as associações, bem como a imprensa negra, denunciavam inúmeros casos de racismo. Aliás, a Lei nº 1.390 está intimamente ligada à luta empreendida por aquelas associações contra a discriminação racial, a despeito de nem o jurista Afonso Arinos, ou qualquer comentarista da lei levar este importante fato em consideração. Nesta luta anti-racismo destacou-se a FRENTE NEGRA BRASILIERA que desde a década de trinta promovia protestos públicos denunciando a situação crítica dos negros brasileiros.

Em 1946, o Teatro Experimental do Negro, criado pelo notável Abdias do Nascimento, promoveu em São Paulo a CONVENÇÃO NACIONAL DO NEGRO. Nesta Convenção foi lançado um manifesto onde se reivindicava uma lei antidiscriminatória para o Brasil. Este manifesto foi lido pelo Senador Hamilton Nogueira, perante a Assembléia Constituinte de 1946, mas a idéia não foi adiante. Somente em 1950, quando a atriz norte-americana Katherine Dunhan teve sua entrada barrada no antigo Hotel Esplanada, em São Paulo, caso amplamente comentado pela imprensa brasileira a internacional, foi que veio à luz a primeira lei brasileira anti-racismo, a Lei nº 1.390, que leva o nome de seu criador Afonso Arinos. Todavia, com Justiça, Abdias Nascimento diz que esta lei deveria chamar-se LEI CONVENÇÃO NACIONAL DO NEGRO.

A situação do negro era premente e, assim, a exemplo de 1.888, dá-se solução jurídico-formal para a problemática negro brasileira, sem mudar o status quo, com a imperfeita Lei Afonso Arinos. Esta legislação, da mesma forma que as chamadas leis benéficas da época da escravatura (Lei do Ventre Livre, etc.), foi escrita por excelente jurista, contudo apresenta imperfeições que a tornam inócua para proteger o discriminado.

Este foi o consenso a que se chegou na II SEMANA BRASILEIRA DE CULTURA NEGRA, após amplo e democrático debate realizado pela comunidade presente. Concluindo-se que a discriminação de raça ou de cor deverá ser definida como crime em legislação penal, que venha a revogar a Lei nº 1.390/51, traduzindo desta forma a intenção do Legislador Constitucional, quando o parágrafo 1º do artigo 153 deu devida ênfase à discriminação de cor ou de raça, no sentido de que a lei ordinária venha a defini-la como CRIME.

A discriminação de cor de raça e a lei

A preocupação de efetivar a igualdade dos direitos entre os cidadãos, declarados inicialmente nos documentos internacionais, como a "Declaração dos Direitos do Homem", "Carta da ONU", e posteriormente na Constituição e leis ordinárias brasileiras, mais se ativa diante do reiterado descumprimento desses diplomas legais.

É flagrante e reiterada a prática de atos discriminatórios, resultantes do preconceito de cor e de raça, principalmente visando o negro, na nossa sociedade.

Não é preciso que os jornais noticiem um fato nesse sentido para que se venha a público. O preconceito de cor e de raça, que gera uma série de desrespeitos aos direitos e à integridade do elemento afro-brasileiro, é uma constante no dia-a-dia de nossa sociedade.

Não se limita essa prática à recusa de entrada de um negro num recinto de sociedade recreativa, cultural, restaurante, bar ou elevador social de algum prédio. Na sutileza do ato que elimina o afro-brasileiro da plena participação no sistema econômico, político e social é que reside a maior afronta aos direitos do cidadão, constituindo-se no ponto crucial da questão. A recusa frontal declarada é um mínimo ante a gama de ocorrências degradantes que atinge o negro na sua dignidade pessoal, no seu decoro, no seu brio.

Tal procedimento alija o negro da sociedade de nível médio para cima, obrigando-o a permanecer nas camadas menos providas de recursos para a sobrevivência. Daí forma-se o círculo vicioso. O negro é pobre, quase analfabeto. Porque não progride não pode concorrer em nível de igualdade no campo econômico, político e social. Porque não concorrer, não sai da situação de pobreza e analfabetismo.

Para quem não percebe este mecanismo de exclusão, é perfeitamente justificável ver o negro marginalizado, favelado, inferiorizado, afastado da economia, da política e dos demais setores mestres do sistema. Ocorre que, envolvido por um condicionamento que, desde o nascer, o afasta dos seus verdadeiros valores e o cega quanto à realidade, inconscientemente, ele - negro - se alija e engrossa o contingente dos desprovidos da fortuna. Daí passa a viver inseguro, temeroso, estranho na sua própria terra. Desestimulado ante a grande barreira que encontra, caluniado e massacrado, quando consegue fugir a esse condicionamento procura, a duras penas, acreditar em si mesmo buscando seu direito de cidadão. Não que seja incapacitado para atingir certos níveis, mas cansado, extenuado, esgotado, na sua pobreza, necessitando meramente de sobreviver. O mecanismo dessa trama toda, somente compreensível a poucos, exemplifica a situação do negro brasileiro.

E ante uma negativa do preconceito racial, o negro é desacreditado, conduzido, e, caso resolva assumir-se, é recriminado. Está fora do seu lugar. Fora da posição que lhe impuseram. O negro brasileiro está para o branco como a criança está para o adulto. Só é benquisto quando submisso, tutelado. E com isso, quem conduz os destinos de todos? Quem determina? Quem legisla? Quem possui direitos? Enquanto isso durar, a situação será sempre a mesma. E como reagir? Como mudar os costumes?

A lei é o único caminho, pacífico e de menor custo social, para a solução deste problema. A lei, porque ela prevê e dispõe sobre os direitos previstos, inclusive nos documentos internacionais.

Temos leis, porém lei é muito mais do que disposições folclóricas. Muito mais do que artifícios oportunistas fundados em motivos meramente políticos, com a finalidade de amainar certos atritos iminentes. Até uma Constituição Nacional que rege e disciplina a conduta dos cidadãos, se não soubermos respeitá-la, não passará de mera letra morta.

Nossa Constituição dispõe que todos são iguais, no entanto, de fato, inexiste esta igualdade. A lei que pretendeu punir o preconceito racial não passou de uma cortina de fumaça, se nasceu tíbia, muito breve perdeu sua razão de ser. Implodiu em si mesma. Falamos da Lei Afonso Arinos.

Ela, de início, chamou a atenção para o problema, mas quando tentou-se aplicá-la, funcionou mal. Depois, trouxe a público o alerta de que não se pode negar direitos aos negros invocando o preconceito racial. Dizem que se não serviu para muitos, pelo menos amedrontou. Colocou o negro na posição do cão que leva um pontapé e acariciado é novamente, colocado ao chão para levar outro, porque ali é o seu lugar. Não reparou dando morais nem jurídicos na altura em que deveria, se é que considerava o negro um cidadão, um ser humano.

Depois descobriu-se a falácia desta lei. A expressão "por preconceito de raça ou de cor", como aparece em seu texto, facilitou a ação daqueles que desejavam ver o negro excluído da participação social, pois negar direitos sob a invocação de raça ou de cor é mera contravenção penal. Usou-se o engodo, subterfúgios, porque não se falando de cor ou de raça não haveria a tal contravenção. Por meio destes expedientes, casos enquadráveis na lei, representavam, no máximo, 1% das ocorrências concretas de discriminação.

Mudou-se a estratégia. Veja-se o valor do negro, seu lugar na sociedade, isto é, essa lei ajudou a afastar de uma vez por todas a possibilidade de se defender o direito violado. Não cumpriu seu papel de norma jurídica e prejudicou os direitos dos discriminados.

A Constituição não é auto-aplicável, uma vez que determinou a criação de lei própria para punir a discriminação de cor ou de raça. Todavia, a lei criada (nº 1.390/51) não foi capaz de coibir a prática de tal infração.

Ora, se o Direito, que é um conjunto de normas jurídicas que rege as relações entre os homens em sociedade, definiu a eliminação física das pessoas, como crime punível por lei, a discriminação de cor, de raça ou de etnia, por ser prática de ato que também destrói moralmente o ser humano, ferindo-o em sua dignidade, terá, irrefutavelmente que ser definido e enquadrado como crime e não como mera contravenção.

Comentários à Lei nº 1.390/51

A Lei nº 1.390 foi aprovada por um corpo legislativo composto por mais de uma centena de pessoas, portanto muitos são os responsáveis por sua inaplicabilidade e defeitos. Recebida com aplausos, ela tipifica como contravenção penal atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

Em seus nove artigos o legislador, usando as expressões "recusar", "negar", "obstar", descreve as mesmas situações diversas vezes, tornando a lei excessivamente casuística, traindo profundamente sua natureza penal. Ora, isto faz com que certas circunstâncias claramente racistas fujam do tipo legal, pois a lei penal mal redigida corrobora para a impunidade, impedindo a busca da verdade.

Um dos aspectos mais graves da Lei Afonso Arinos, encontra-se no fato de a discriminação racial ser incluída entre as contravenções penais, tendo em vista que a punição a esta espécie de infração visa apenas prevenir a ocorrência de crimes (...)

Infelizmente, o legislador penal considerou a prática de racismo como ato apenas levemente prejudicial à sociedade, semelhante ao porte ilegal de armas, vadiagem, etc... Atos estes, reprimidos somente porque podem causar futuros prejuízos ou perigos à segurança social. (...)

Há, no delito contravenção, uma idéia de pouca gravidade, ou seja, ela ofende menos do que o delito-crime:

"Em geral, se vê na contravenção um ato em si mesmo inocente, que não causa dano, reprimido não pela sua maldade, mas porque pode criar perigo para a sociedade. Nos crimes haverá um mal positivo, que cumpre coibir com sanções mais severas que as empregadas nas contravenções." (4)

Após estas ponderações, custa acreditar que o racismo, no Brasil, não seja crime e sim simples contravenção.

Concluímos que a discriminação racial deve ser legalmente caracterizada como Crime Contra a Pessoa (5) e como tal deve ser seriamente punida, através de legislação clara, breve e simples. (6) (...)

A subcomissão de juristas passa agora a apresentar o texto da Lei acompanhada de comentário, visando dar conhecimento deste texto e elucidar os pontos falhos por ela apresentados, responsáveis pelo fracasso dessa norma como defensor dos direitos, e pelo conseqüente desrespeito aos direitos dos cidadãos a que ela visa.

"Art. 1º Constitui contravenção penal, punida nos termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, de servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor.

Parágrafo único. Será considerado agente da contravenção o diretor, gerente ou responsável pelo estabelecimento."

A Lei inclui a prática do preconceito racial entre as contravenções penais.

A Comissão entende que, de acordo com o sistema legal do País, que se funda na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta da ONU e demais tratados internacionais que se preocupam com a defesa dos direitos inalienáveis do ser humano, se todos são iguais perante a lei e todo o homem nasce livre e igual em dignidade e direitos, não pode a ofensa aos direitos de qualquer pessoa ser punida com pena branda como o porte de arma ou a transgressão de uma norma de conduta, visto que envolve a personalidade humana. Foi baseado nesses princípios que o Código Penal Brasileiro capitula entre os crimes e como tal prescreve punição, a ofensa à dignidade e ao decoro da pessoa humana. E, considerando que o preconceito racial nega direitos ao cidadão, cerceia a realização de sua plena capacidade pessoal, imprime uma conotação que alija a pessoa da comunidade sem motivos outros que a cor da pele, ou a origem étnica, quando esses mesmos valores são motivos de honra e de orgulho para as demais origens, e, considerando que tal situação denota um frontal desrespeito à pessoa humana, conseqüentemente ofende sua honra, sua dignidade e seu decoro, a Comissão protesta pela inclusão da prática de preconceito racial que marginaliza e procura despersonalizar a pessoa, entre os crimes. (...)

A Lei nº 1.390/51 exige que, para incorrer em dispositivo legal, seja expressa a recusa da participação do paciente, por preconceito de raça ou cor.

Essa exigência torna a lei impraticável. Em primeiro lugar, a lei penal não é de interpretação analógica, ou seja, ela não tem força para punir em comparação. É preciso que o fato concreto se enquadre nos artigos da lei. Ora, a evolução social torna alguns conceitos obsoletos. Se pareceu ao legislador, na época que o preconceito de raça ou de cor se caracterizada apenas na recusa frontal à entrada ou atendimento em qualquer estabelecimento, o aprimoramento das interpretações relativas a relações sociais, nos trouxe claro o entendimento de que não é necessário a expressão vocabular para praticar o preconceito. A prática do objetivo visado pela lei, por uma série de razões, mudou sua forma, com essa nova feição; dissimulada, velada, ele se apresenta na mesma ou até em maior proporção, arrebatando todas as possibilidades de participação igualitária do afro-brasileiro na sociedade.

No entanto, quando se recorre à justiça para reparação das ofensas e punição do agente, não se encontra guarida, pois o texto legal exige o vocábulo; raça ou cor. Mais uma vez a fragilidade dessa lei deixa ao desabrigo da Justiça, desrespeitado e inseguro, o cidadão que, por lei, é detentor do mesmo direito. São inúmeros os casos em que a queixa sucumbe de se constituir um processo ou então vai o processo para o arquivo, porque a Lei não fornece condições fundamentais ao julgador para distribuir a Justiça.

Como pode ocorrer com toda norma disciplinadora das relações sociais, a Lei nº 1.390 tornou-se obsoleta, desatualizada, não se coaduna com a realidade em que vivemos; e assim não cumpre seu objetivo de norma jurídica.

Quanto ao seu parágrafo único, é válido também o comentário acima. Do boteco e da venda, lojas e estabelecimentos comerciais se transformaram em grandes lojas de departamentos, onde se perde de vista quem é o gerente, quem é o Diretor. Daí dificultar a aplicação da pena, porque o Direito não admite que a pena atinja além do delinqüente.

"Art. 2º Recusar alguém hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade por preconceito de raça ou cor.
Pena - Prisão simples de três meses a um ano e multa de 5 a 20 cruzeiros."

Além da má redação, este artigo não consegue atingir os casos em que negros são aceitos como hóspedes, mas tem sua entrada barrada nas piscinas, boates e outros recintos do próprio estabelecimento que os está hospedando, simplesmente pelo fato de serem negros.
Recusar hospedagem em hotel por preconceito de raça ou de cor é uma constante no Brasil, principalmente em grandes hotéis, hoje classificados em estrelas. Cabe aqui o reforço do que, atrás, dissemos. Essa prática sempre se oculta atrás de artifícios tão bem arquitetados que não deixam alternativas a uma lei que se atém a expressões vocabulares. Além do mais, se por uma outra razão de interesses próprios, é concedida hospedagem, como se isso fosse a prestação de um favor, ela vem acompanhada de insinuações e hostilidades que acabam por desencorajar o cidadão. Assim, tacitamente, de maneira velada, se nega o direito da escolha a uma condição compatível com a sua posição pessoal. É uma ofensa ao decoro e à dignidade que a lei permite seja reiteradamente praticada.

"Art. 3º Recusar a venda de mercadoria em loja de qualquer gênero, ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas, por preconceito de raça e de cor.

Pena - prisão simples de quinze dias a três meses, ou multa de 50 centavos a 5 cruzeiros."

Também aqui se observa redação confusa e repetitiva, por exemplo, a expressão "aberto ao público' prejudica a compreensão e aplicação da lei, dando a impressão e aliás, na prática tem ocorrido, de que nos estabelecimentos destinados a público especial, pode-se praticar racismo. Da mesma forma a lei não abrangeu as situações discriminatórias, por motivo de raça, que ocorrem nas vendas domiciliares, realizadas através de representantes, vendedores, corretores, etc...

"Art. 4º Recusar entrada em estabelecimento público, diversão ou esporte, bem como em salões de barbearia ou cabeleireiros por preconceitos de raça ou de cor.
Pena - Prisão simples de quinze dias a três meses ou multa de 50 centavos a 5 cruzeiros."

Aqui também o termo "estabelecimento público" tem sido interpretado (vide Jurisprudência anexa) como os que atendem o público em geral; e os clubes, por exemplo, discriminam por motivo de cor ou de raça, uma vez que atendem público especial, associado.(7) A expressão "recusar a entrada" não abrange atendimento, portanto permitir a entrada e não atender o interessado, por motivo de cor ou de raça, poderá passar impune pela lei. Este artigo da lei não inclui os salões de manirures e pedicures e o Juiz, não podendo fazer uso da analogia, nem da interpretação extensiva, não poderá puni-los enquanto recusem atendimento por motivos de raça.

"Art. 5º Recusar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça ou de cor.

Pena - prisão simples de três meses a um ano ou multa de 50 centavos a 5 cruzeiros.

Parágrafo único. Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular."

Em sendo proibida analogia, a recusa de inscrição compreenderia também o direito à intervenção? E a participação em certas atividades escolares, como excursões, visitas, etc?

"Art. 6º Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou serviço em qualquer ramo das forças armadas, por preconceito de raça ou de cor.
Pena - Perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito regular, para o funcionário dirigente da repartição de que dependa a inscrição no concurso de habilitação dos candidatos."

Por mais incrível que possa parecer, a discriminação racial na seleção para cargos públicos e serviços nas forças armadas não constitui sequer contravenção penal, em razão da penalidade aplicada. Isto porque a Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais, Decreto-lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, define contravenção penal como a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativamente, conforme art. 1º do decreto-lei supracitado. Portanto, no conteúdo do art. 6º que ora comentamos, se trata de mera infração administrativa, em vista de a penalidade constituir "perda do cargo".

"Art. 7º Negar emprego ou trabalho a alguém, em autarquia, sociedade de economia mista, empresa concessionária de serviço público ou empresa privada, por preconceito de raça ou de cor.

Pena - Prisão simples de três meses a um ano e multa de 50 centavos a 5 cruzeiros, no caso de empresa privada, perda do cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia, sociedade de economia mista e empresa concessionária de serviço público."

Da mesma forma que no capítulo anterior, o racismo praticado em autarquias, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público não constitui sequer infração penal: é mera falta administrativa, em razão da pena a ser aplicada. Além da confusão em torno das expressões "sociedade de economia mista", "empresa concessionária de serviço público", que o legislador cita-as como se não fossem empresas privadas.

"Art. 8º Nos casos de reincidência, havidos em estabelecimentos, poderá o Juiz determinar a pena adicional de suspensão do funcionamento, por prazo não superior a três meses."

Este artigo é absurdo, pois ao invés de agravar a penalidade nos casos de reincidência, dá ao Juiz o poder de aplicá-la facultativamente, usando o vocábulo "poderá..."

Esperamos nós, os descendentes dos africanos escravos construtores deste País o mero gesto de justiça deste Congresso aprovando o presente Projeto de Lei.

CITAÇÕES
(1) Lélia Gonzáles, em Lugar do Negro - Rio: marco Zero, 1981.
(2) Hélio Santos, "Chegou a Hora de Refletir", Veja - 16-6-1982, pág. 162.
(3) A Comissão eleita foi composta dos seguintes membros: Ademil Lopes, Ana Maria Rodrigues Riberio, Celso Prudente, Cláudio Fermiano, Clóvis Moura, Eduardo de Oliveira, Eunice Aparecida de Jesus, Joaquim Beato, João Batista de Jesus Felix, Jurandir Nogueira, Maria de Jesus, Neuza Maria Pereira Lima, Orlanda Campos e Wilson Prudente.
(4) Garcia, Baliseu - Instituições de Direito Penal, 4ª ed. - S. Paulo, Max Limonad, 1976, Vol. I - Tomo I, págs. 198-199.
(5) Campos, Orlanda - Da Lei Afonso Arinos, Comunicação Apresentada na 30ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, julho/1978. Publicada no Suplemento Ciência e Cultura, Vol. 30, pág. 100.
(6) Jesus, Eunice Aparecida de - Preconceito Racial e Igualdade Jurídica no Brasil. São Paulo, 9/outubro/80 - (Tese de Mestrado - Faculdade de Direito da USP), pág. 226 a 242, 1980.
(7) Manuel Carlos da Costa Leite, in Lei das Contravenções Penais, Ed. Revista dos Tribunais, S. Paulo, 1976.

Sala das Sessões, 30 de junho de 1983.

(Combate ao Racismo, n. 1)


 
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Indicação nº 15, de 1985

Sugere a manifestação da Comissão de Relações Exteriores sobre oportunidade do rompimento, pelo Brasil, de relações diplomáticas com a África do Sul.

Nos termos do art. 125, do Regimento Interno, encaminho à Mesa apresente indicação solicitando que a Comissão de Relações Exteriores se manifeste acerca da oportunidade do rompimento, pelo Brasil, de reações diplomáticas com o Governo da África do Sul.

Justificação

O regime de massacre dos negros sul-africanos praticado pelo Governo da minoria branca que domina a África do Sul tem merecido a condenação de todas as nações civilizadas. A Assembléia Geral da ONU, em várias ocasiões votou resoluções recomendando aos Estados-membros o isolamento da África do Sul Através do rompimento de quaisquer tipos de intercâmbio diplomático, econômico, esportivo, cultural etc., como forma de pressão visando acabar com o apartheid definido como um crime contra a humanidade.

Ainda neste mês, o Conselho de Segurança a ONU votou uma Resolução, por unanimidade, condenando a África do Sul pela matança de negros que se manifestavam conta o apartheid. Pela primeira vez os Estados Unidos deram o seu voto favorável a uma resolução condenatória ao governo racista daquele país.

As ações internacionais contra o apartheid se intensificam, e nesse sentido devemos mencionar um projeto de lei que acaba de ser apresentado ao Congresso dos Estados Unidos pelos deputados mais conservadores - Bob Walker, Newt Gingrich e Vin Weber -, impedindo que o Governo americano faça contratos com empresas americanas que operam na África do Sul seguindo a política segregacionista. De acordo com tal projeto de lei, o representante dos Estados Unidos no FMI deverá opor-se à concessão de qualquer empréstimo solicitado pela África do Sul.

É inadmissível que o Brasil não reaja a esses apelos internacionais de boicote a um país que tanto agride e ofende os sentimentos nacionais de repúdio à intolerância racial. Pois esses sentimentos não são apenas da grande parcela do nosso povo de origem negro-africana, mas de todos os brasileiros que abominam o crime racista, como este de dezenas de assassinados, em Vitenhage, nestes últimos dias quando, ironicamente, se comemora o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

Esperamos que a abertura política da nossa Nova República signifique também uma posição nova diante da África do Sul cujo poderoso lobby em nosso País não pode continuar desafiando nosso compromisso com a efetiva e verdadeira igualdade de todos os seres humanos.

Brasília, 27 de março de 1985.
Abdias Nascimento.
(Combate ao Racismo, n. 6)


 
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PROJETO DE LEI N.º 1.332, DE 1983

Dispõe sobre ação compensatória visando à implementação do principio da isonomia social do negro, em relação aos demais segmentos étnicos da população brasileira, conforme direito assegurado pelo art. 153, § 1º da Constituição da República.


O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º As autoridades públicas, os mandatários governamentais e a sociedade civil brasileiros deverão tomar medidas concretas, de significação compensatória, para implementar, para os brasileiros negros (de ascendência africana), o direito que lhes é assegurado pelo art. 153, § 1º, da Constituição da República, à isonomia concedida a todos os brasileiros, nos setores de oportunidade de trabalho, remuneração, educação e tratamento policial, entre outros.


Art. 2º Todos os órgãos da administração pública, direta e indireta, de níveis federal, estadual e municipal; os Governos federal, estaduais e municipais; os \ministérios; as Secretarias estaduais e municipais; as autarquias e fundações; as Forças Armadas; o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Poder Executivo são obrigados a providenciar para que dentro dos espaços de suas respectivas atribuições, sejam tomadas medidas de ação compensatória visando atingir, no respectivo quadro de servidores, funcionários e titulares, a participação de pelo menos 20% (vinte por cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras, em todos os escalões de trabalho e de direção, particularmente aquelas funções que exigem melhor qualificação e que são melhor remuneradas.

§ 1º Todos os órgãos citados anteriormente são obrigados a comprovar, anualmente, perante o DASP e seus similares estaduais e municipais, as medidas tomadas e executadas no cumprimento deste artigo.

§ 2º As repartições públicas e outras entidades mencionadas neste artigo comprovarão, de cinco em cinco anos, os resultados das medidas de ação compensatória executadas, submetendo-se a objetivamente a participação de homens e mulheres negros em todos os níveis.

Art. 3º As empresas, firmas e estabelecimentos, de comércio, indústria, serviços, mercado financeiro e do setor agropecuário, executarão medidas de ação compensatória visando atingir a participação, no seu quadro de empregados, diretores e administradores, de ao menos 20% (vinte por cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras em todos os níveis de atividade profissional, especialmente naqueles de melhor qualificação e melhor remuneração.

§ 1º As empresas, firmas e estabelecimentos mencionados comprovarão, diante do Ministério do Trabalho, anualmente, as medidas executadas no cumprimento deste artigo.

§ 2º As empresas, firmas e estabelecimentos comprovarão, de cinco em cinco anos, o resultados das medidas compensatórias executadas, mediante pesquisa estatística do Ministério do Trabalho que verifique objetivamente a participação do homem negro e da mulher negras atividades profissionais em todos os níveis.

§ 3º As empresas, firmas e estabelecimentos que não cumprirem as medidas requeridas pelos § 1º e 2º deste artigo serão sujeitos a multa de 20% (vinte por cento) da folha bruta mensal de pagamento ou de 100 MVR (maior valor de referência), valendo o maior valor.

§ 4º As empresas, firmas e estabelecimentos com menos de cinco empregados estão sujeitos a multa mensal de 50 MVR no caso de não cumprimento das medidas requeridas pelo § 1º e 2º deste artigo.

§ 5º Haverá um incentivo fiscal calculado na base de 5% (cinco por cento) sobre a folha de pagamento bruta no Imposto de Renda a ser pago no ano posterior, para as empresas, firmas e estabelecimentos que comprovem incremento significativo de equilíbrio, na sua força de trabalho, entre a proporção de negros nos empregos melhor remunerados e aquela nos empregos de baixa renda.

Art. 4º Um fundo de 1% (um por cento) dos recursos do FINSOCIAL, e a totalidade das multas previstas nos § 3º e 4º do art. 3º, serão destinados ao desenvolvimento de programas, a cargo do Ministério da Educação e Cultura em convênio com o Ministério do Trabalho, de estudo, ensino e aperfeiçoamento técnico das medidas de ação compensatória. Serão oferecido às empresas, firmas e estabelecimentos do setor privado, bem como às administrações das autarquias, repartições e outras entidades públicas relacionadas no art. 1º, cursos para administradores das medidas de ação compensatória previstas.

Art. 5º Todas as empresas, firmas e estabelecimentos, do setor privado e de economia mista, serão fiscalizados pelo Ministério do Trabalho afim de comprovar que negros e brancos são igualmente remunerados por trabalho equivalente em todos os níveis de emprego.

§ 1º A expressão "trabalho equivalente" refere-se ao conteúdo das responsabilidades e obrigações envolvidas nos empregos considerados, e não aos títulos ou denominações dos mesmos.

Art. 6º O DASP e seus similares estaduais e municipais fiscalizarão as administrações diretas e indiretas do serviço público, para comprovar que negro e brancos são igualmente remunerados por trabalho equivalente em todos os níveis de cargo e funções.

§ 1º A expressão "trabalho equivalente" refere-se ao conteúdo das responsabilidades e obrigações envolvidas nos empregos considerados, e não aos títulos ou denominações dos mesmos.

Art. 7º Serão concedidas a estudantes negros bolsas de estudo em caráter compensatório.

§ 1º Serão destinadas a estudantes negro 40% (quarenta por cento) das bolsas de estudo concedidas pelo Ministério da Educação e Cultura e pelas Secretarias de Educação Estaduais e Municipais em todos os níveis (primário, secundário, superior e de pós-graduação).

§ 2º O Ministério das Relações Exteriores reservará no Instituto Rio Branco 20% (vinte por cento) de suas vagas para candidatos negros e 20% (vinte por cento)de suas vagas para candidatas negras.

Art. 8º Ministério da Educação e Cultura, bem como as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, conjuntamente com representantes das entidades negras e com intelectuais negros comprovadamente engajados no estudo da matérias, estudarão e implementarão modificações nos currículos escolares e acadêmicos em todos os níveis (primário, secundário, superior e de pós-graduação)m no sentido de:

I - Incorporar ao conteúdo dos cursos de História Brasileira o ensino das contribuições positivas dos africanos e seus descendentes à civilização brasileira, sua resistência contra a escravidão, sua organização e ação (a nível social, econômica e político) através dos quilombos, sua luta contra o racismo no período pós-abolição;

II - Incorporar ao conteúdo dos cursos sobre História Geral o ensino das contribuições positivas das civilizações africanas, particularmente seus avanços tecnológicos e culturais antes da invasão européia do continente africano;

III - Incorporar ao conteúdo dos cursos optativos de estudos religiosos o ensino dos conceitos espirituais, filosóficos e epistemológicos das religiões de origem africana (candomblé, umbanda, macumba, xangô, tambor de minas, batuque, etc.);

IV - Eliminar de todos os currículos referencias as africano como "um povo apto para a escravidão", "submisso" e outras qualificações pejorativas;

V - Eliminar a utilização de cartilhas ou livros escolares que apresentem o negro de forma preconceituosa ou estereotipada;

VI - Incorporar Material de ensino primário e secundário a apresentação gráfica da família negra de maneira que a criança negra venha a se ver, a si mesma e à sua família, retratadas de maneira igualmente positiva àquela em que se vê retratada a criança branca;

VII - Agregar ao ensino das línguas estrangeiras européias, em todos os níveis em que estas são ensinadas, o ensino de línguas africanas (yoruba ou Kriwahili) em regime opcional;

VIII - Incentivar e apoiar a criação de Departamentos, Centro ou Instituto de Estudos e/ou Pesquisas Africanos e Afro-Brasileiros, como parte integral e normal da estrutura universitária, particularmente nas universidades federais e estaduais.

§ 1º As modificações de currículo aplicar-se-ão, obrigatoriamente, tanto no ensino público quanto no ensino particular, em todos os níveis.

§ 2º O Ministério da Educação e Cultura, bem como as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, fará públicos relatórios anuais, a partir de um ano após a entrada em vigor desta legislação, sobre a implementação dos dispositivos deste artigo, expondo entre outras informações:

I - o nome dos responsáveis pela modificação curricular e a forma de colaboração das entidades negras e dos intelectuais negros comprovadamente engajados no estudo da matéria;

II - os trabalho realizados;

III - os produtos de trabalho elaborados (i.e., modelos de currículos, cartilhas, matérias, etc.);

IV - cronograma de implementação das medidas sugeridas;

V - indicação das fontes de recursos para implementação das medidas sugeridas.

Art. 9º As policias civis, federal e estaduais, bem como as policias militares, estão obrigados a integrar nos seus programas de treinamento para profissão de policial, cursos de orientação anti-racista.

Art. 10 - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fica obrigado a incluir, em todas as pesquisas, estatísticas e censos demográficos, o quesito cor/raça ou etnia.

Art. 11 - O Ministério do Trabalho fica obrigado a descriminar, em suas estatísticas de emprego e desemprego, a origem étnica (cor/raça) nos respectivos índices apurados.

Art. 12 - A expressão "medidas de ação compensatória" compreende iniciativas destinadas a aumentar a proporção de negros em todos os escalões ocupacionais, incluindo, entre outras:

I - a preferências pela admissão do candidato negro quando este demonstra melhores ou as mesmas qualificações profissionais que o candidato branco;

II - execução de programas de aprendizagem, treinamento e aperfeiçoamento técnico para negros, a fim de aumentar o número de candidatos negros qualificados em escalões superiores profissionais;

III - execução de programas de aprendizagem, treinamento e aperfeiçoamento técnico, qualificado empregados negros para a promoção funcional;

IV - reajuste de salários, no sentido de igualar a remuneração entre negros e brancos para trabalho equivalente;

V - concessão de bolsas de estudo a estudantes negros a fim de aumentar sua qualificação profissional;

VI - assinatura de carteira profissional de empregados negros, nas mesmas condições e proporções vigorantes no caso de empregados brancos;

VIII - outras medidas que venham a ser definidas pelos técnicos responsáveis dos programas de estudo, ensino e aperfeiçoamento técnico de medidas de ação compensatória estabelecidas pelos art. 4º desta lei;

VIII - outras medidas que venham a efetivar os resultados desejados, segundo comprovação do Ministério do Trabalho e conforme os arts. 2º, § 2º e 3º, § 2º desta lei.

Art. 13 - A expressão "negro" compreende todos aqueles que seriam classificados nas categorias de "pretos" e de "pardos" segundo critérios utilizados pelo IBGE no PNAD de 1976 , os quais reconhecem terem sido discriminados como negros ou terem sido objeto de manifestações de preconceito de cor.

Art. 14 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 15 - Revogam-se as disposições em contrário.


 
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